18 de fevereiro de 2016

Amarelo Branco Cinza

 

Fralda amarela, fronha amarela, sapatinho amarelo, macacão amarelo, velotrol amarelo, bicicleta amarela, terço amarelo. Meus primeiros objetos, boa parte deles, foram amarelos. Escolha de minha mãe. Nem azul, nem rosa; amarelo. Vestindo uma camisa amarela, em uma de minhas primeiras memórias estou sentado no colo de meu avô, ele reclamando dos meus ossos, porque as arestas faziam doer as penas dele. Vovô me pergunta se prefiro a casa dele, em Carangola, ou a casa de meus outros avós, em Vitória. A questão aparece em tom de brincadeira, está tirando sarro do neto. E eu, ou o menino, ou os dois que somos e não somos um só, fico meio sem saber se prefiro Carangola ou Vitória, a praia ou o sítio, o abraço de uma ou da outra avó. Acabo respondendo que gosto das duas casas. Como gosto de frango com quiabo e também gosto da panela de moqueca e de cochilar logo depois de comer. Eu era feliz e ninguém estava morto. Mas aos oito anos – e não tenho saudades, tardes ou laranjais –, durante a noite toda em claro, quis abraçar o vazio, quando minha mãe já não havia, e quis sentir a fronha amarela molhada, para nunca deixar de haver.

 

***

Amarelo, branco. Já na segunda infância, ainda antes da adolescência. A câmara clara: a camisa branca. Guarda-roupa de camisas brancas e pijamas brancos e cuecas brancas e meias brancas e camisas brancas da escola. A tábula arrasada. E o horror ao sol. O amarelo da praia, com minha mãe boiando no mar, já não fazia sentido. Tampouco o amarelo do sítio, com minha mãe descascando laranja. Havia apenas a porta fechada e a tinta branca em volta. A pele pálida trajando camisa branca. Branco sobre branco. A escola abandonada. A casa vazia. Na igreja, Nada. Antífonas, salmos, cânticos à ausência absoluta. A falta da fala. A língua era um deserto de sal. A biblioteca, lá onde sentávamos, Saara. As folhas sem palavras. As noites em claro. A lua baça pairava. Lágrima – forma branca, alva, clara. Fluida, vaga, cristalina. Limpada no pijama. Branco sobre branco sobre branco. Dormia só depois da chuva. Na manhã seguinte, fazia barquinho de papel. Boiava na água. Branco sobre branco sobre branco sobre branco sobre branco...

 

***

Com o tempo, do branco se fez o cinza. Silencioso como a espuma. O cinza é uma forma de amarelo; porque nem azul, nem rosa. Uma forma de branco, um luto, mas cremado. Uma cinza fria. Mesmo quando há vermelho, deixa ser somente um vermelho opaco. O azul feito fosco. A canção, cinzenta. O céu morno de outono. Sobre o sol sempre uma bruma. No meu quarto, entre o incenso e o cigarro, não há menores névoas que as do céu. O celular cinzento, a televisão cinzenta, o computador cinzento. A poeira escondendo os cantos. Ontem eu encontrei um cabelo grisalho. Hoje não procurei. Passei o dia sufocado pela cerração dos anos. Sofá, jazz. Algumas cenas de um noir em preto e branco. Poderia até sair agora, andar pelo asfalto. Mas não sei.