28 de junho de 2017

Foto de família

depois dos primeiros abraços de algumas bebidas da oração da meia noite da troca de presentes da ceia antes das despedidas do feliz ano novo do apartamento escuro em algum lugar algum onde nasceu um verbo morto quando toda família era contente só por ser dia de estar contente e por isso a foto a dizer no futuro como era sempre melhor o que passou ainda que naquele momento se lamentasse outra perda do que não era mas não se pensa em nada disso no instante da foto todos sorriem com olhos de escrivaninha acertam os cabelos arrumam as roupas conferem as sobras dos dentes e a foto revela um paraíso inventado nunca registra os jardins perdidos porque nas fotografias impressas as flores são de papel os jardins habitam alguém que nunca existiu juntam os irmãos para a fração de tempo que depois seria vista por filhos netos bisnetos e se tornaria um lugar de origem uma utopia escrita com luz não deixa de ser um não que se quer eterna presença de onde eu estava olhava os tios e somava a ausência solitária de minha mãe para mim o ponto principal da foto seria o registro de um fantasma em um dia de natal quem já havia morrido persistia nascendo em minha memória minha mãe está morta minha mãe permanece morta sem nenhum consolo não há lágrima que lave a lembrança nem um milagre que faça renascer mas os tios me convidaram para a foto solto às intenções que não são minhas sem saber se sim ou se saia por uma desculpa aceitei e apareci ausente de mim mesmo ao lado de todos os tios meu corpo morto vivo e desnudo uma frase que não era minha em um texto que talvez ninguém escreveu era uma terceira perna imaginária que dava estabilidade a todos os outros mas que se sabia sem saber de si no criado mudo ao lado de minha cama ainda soam os sinos do nascimento dessa assombração a cada pancada da pálpebra deitado sinto esse crescer do soar da saudade de ter sido o vazio que nunca se dissolveu