
Os 101 maiores jurados do século XXI
Recentemente, a Folha de São Paulo publicou em sua página e na edição impressa a matéria com o título Veja os melhores livros brasileiros de literatura do século 21, segundo júri convidado pela Folha, assinada pelo editor Walter Porto. Como é explicado na matéria, 101 pessoas foram convidadas a indicar dez livros “que não poderiam ficar de fora de uma seleção que reunisse o melhor da literatura brasileira do século XXI”.
O recorte elenca obras literárias escritas por brasileiras e brasileiros lançadas a partir de janeiro de 2001. Cada jurado teve a restrição de não se autoindicar. A pesquisa foi feita de setembro a dezembro de 2024 e publicada em 24 de maio de 2025. Alguns jurados apontaram menos de dez livros.
Segundo a reportagem, o resultado é uma seleta do melhor entre o que se publicou de ficção literária no Brasil neste quase um quarto de século.
A lista dos livros e do júri pode ser acessada nos seguintes links (livros e jurados).
Com base nisso, coletamos alguns dados que traçam o panorama dos jurados. Neste texto, investigamos a origem de cada um desses colaboradores. O objetivo é entender como a distribuição regional influi nos resultados publicados pela matéria.
Pesquisamos informações divulgadas publicamente pelos próprios jurados em redes sociais ou em veículos de mídia. Coletamos dois dados:
i) estado ou país de nascença (Nascidos);
ii) estado ou país onde reside (Residentes).
Por conveniência, consideramos o Distrito Federal como um estado.
Organizamos o conteúdo em duas tabelas, classificadas pela frequência de ocorrência.

Tabelas 1 e 2. Distribuição do juri por nascimento (Nasc) e residência (Res). A sigla NID indica que o local de nascimento e/ou de residência do jurado pesquisado não foi encontrada. A sigla EST indica que o jurado em questão nasceu e/ou mora fora do Brasil.
Para melhor visualização, ilustramos este resultado nos gráficos abaixo:
Gráficos da Tabela 1 (Nascidos)
Gráficos da Tabela 2 (Residentes)
Estudo dos dados
O estado de São Paulo possui o maior número de representantes nas duas situações pesquisadas.
O número de jurados residentes em SP é maior do que o de nascidos, o que pode ser reflexo de migração. Este resultado já era esperado, uma vez que SP é o estado mais populoso e o maior centro econômico do país. Contudo, precisamos observar este dado com mais cuidado, o que será feito mais à frente.
Completando o pódio, vêm os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, ambos da região Sudeste. Em quarto lugar está o Rio Grande do Sul.
SP, RJ, MG e RS contribuem com 69% e 78% do total de jurados (nascidos e residentes, respectivamente). Estes números representam aproximadamente 17 vezes os representantes da Bahia, sendo que a população destes quatro estados é apenas 5,8 vezes maior que a população do estado nordestino.
Ainda comparando a quantidade de habitantes, apesar de o Distrito Federal ter aproximadamente 1/5 da população da Bahia, apresenta o mesmo número de jurados nascidos e um número de residentes bem semelhante.
Representantes do exterior somam 5 nascidos e 6 residentes.
O Rio Grande do Norte não contribui com jurados em nenhuma das categorias pesquisadas, ao contrário do Rio Grande do Sul, sete nascidos e seis residentes.
Ceará, Paraíba e Pernambuco, exemplos de estados de tradição literária, são representados apenas por um jurado na modalidade Nascidos. Ceará sequer aparece na modalidade de residentes.
Doze estados não têm representantes na categoria Nascidos: Acre, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe e Tocantins.
Dezesseis estados não têm representantes na categoria moradores: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins.
Análise por região
A seguir, apresentamos duas tabelas com informações sobre a localização regional dos jurados e algumas métricas
Assim como nas tabelas anteriores, NID e EST significam Não Identificado e Estrangeiro, respectivamente. A população (Pop) de cada região é dada por milhões de habitantes. Na coluna Porcentagem (%), temos a parcela que cada região representa no total de jurados. Na coluna Representados (Rep), indicamos quantos milhões de pessoas de cada região são representados por um jurado. Na coluna Fator SP, é mostrada a razão entre os representados de cada região em relação aos representados do estado de São Paulo.
Apesar da região Sudeste ter apenas 42% da população nacional, ela contribui com a maior quantidade de jurados: 64 nascidos (63% do total) e 73 residentes (72% do total). Mesmo com este número expressivo, não há representante do Espírito Santo na região.
Na categoria Nascidos, os três estados da região Sul têm representantes somando treze pessoas (12,87%). Na categoria Residentes, com exceção de um jurado, de Santa Catarina, os outros oito são do Rio Grande do Sul.
Com sete estados, a região Norte tem apenas um representante na categoria Nascidos e nenhum na categoria Residente. Note a disparidade quando comparamos com o número de jurados estrangeiros (cinco nascidos e seis residentes).
A região Centro-Oeste traz quatro jurados na categoria Nascidos, sendo apenas um não originário do Distrito Federal (Mato Grosso). Essa concentração se agrava quando observado o campo Residentes, em que todos os jurados são do Distrito Federal. Apesar de ser a região com a menor população do Brasil, o Centro-Oeste possui mais representantes que o Norte.
Com um terço das unidades federativas do Brasil, a região Nordeste participa com oito nascidos (menos de um por estado) e nove residentes (um por estado). Apesar do número elevado de estados e ter 26% população nacional, esta região contribui com, respectivamente, 8,91% e 7,92% do total.
Regiões e Representados
Relembrando, o campo Representados significa quantos milhões de pessoas são representados por um jurado.
Na categoria Nascidos, a região Norte é a menos representada: com um jurado para 17,3 milhões de habitantes. Esse dado é o triplo que a região Nordeste, que tem a taxa de 6,07 milhões por jurado (note que quanto maior o número de representados, menor é a representatividade). Com quase a metade de representados, o Centro-Oeste vem com taxa de 3,26 milhões por jurado. A seguir temos a região Sul com 2,30 milhões por jurado. A região mais favorecida é a Sudeste, com cada jurado representando 1,33 milhões de pessoas.
É esperado que o número de jurados da região Sudeste seja alto pelo tamanho de sua população. Porém, o que se percebe é que, mesmo levando em conta essa informação, a discrepância se acentua no que diz respeito aos representados da região (1,33 e 1,16 milhão de pessoas por jurado, respectivamente).
Em virtude do desvio expressivo observado nos dados referentes a São Paulo, fizemos questão de colocar uma linha adicional da tabela com os valores deste estado. Na categoria Nascidos, o fator Representados é idêntico ao da região Sudeste. E na categoria residente, a assimetria aumenta ainda mais, com cada jurado representando aproximadamente um milhão de habitantes.
Fator SP
Finalmente definimos uma nova grandeza, que chamamos, por motivos óbvios, de Fator São Paulo. O Fator SP consiste na razão entre o número de Representados por um jurado em determinada região o número correspondente no estado de São Paulo. Quanto maior o Fator São Paulo de dado lugar, menos este lugar é representado se compararmos com os jurados de SP.
Nascidos: a região Norte tem fator 12,86 (um jurado representa 12,86 vezes mais pessoas do que SP); a região nordeste tem Fator SP 4,51; a região Centro-Oeste 2,42; a região Sul 1,71; a região Sudeste 0,98 (aproximadamente um).
Residentes: a região Norte não tem representante; a região Nordeste tem Fator SP 6,92; a região Centro-Oeste 4,13; a região Sul 3,37; a região Sudeste 1,18.
Considerações Finais
Neste texto, tentamos quantificar de maneira simplificada a contribuição regional do juri que teve a responsabilidade de escolher os vinte e cinco melhores livros brasileiros de literatura do século XXI.
Separamos por nascidos e residentes por unidade da federação e por região. Analisamos os representados de cada jurado por milhão e definimos o Fator São Paulo que é a razão dos representados de dado local pelos representados do estado de São Paulo. Também poderíamos definir o Fator RJ, que se assemelha ao Fator SP; escolhemos este pela origem da matéria e por ser o primeiro das duas categorias.
A ordem crescente de representatividade por região é: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste; com números nada próximos.
As definições apresentadas podem ser usadas em pesquisas futuras e correlações. Bem como iluminar soluções para atenuar, de maneira consciente, distorções regionais em novas seleções de juri, curadorias, eventos literários, entrevistas, antologias, entre outras situações.
Como toda pesquisa, há margem de erro considerável, o que não invalida a ordem de grandeza dos resultados obtidos. Consideramos 101 jurados uma boa amostra, porém são sempre bem-vindas pesquisas que envolvam mais pessoas para que possam vir a confirmar com mais exatidão o que foi encontrado aqui. Também é muito bem-vinda a observação da evolução temporal desses fatores.
Parte da nossa motivação para este texto surgiu justamente da leitura do recorte feito por outra pesquisa sobre a mesma matéria. Convidamos você a ler o texto feito pelo escritor Marcelo Labes (A lista!) por acreditar que a formação do juri está diretamente ligada ao resultado final da seleção.
Evitamos fazer juízo de valor e expressar opiniões no que diz respeito aos jurados e aos premiados para manter, na medida possível, a análise feita apenas a partir dos números encontrados.
Agradecemos a sua leitura até aqui e estamos à disposição para esclarecimentos, sugestões e colaborações. Você nos encontra pelo Instagram nos perfis @betomenezes e @shirukaya. Vida longa e próspera.
Roberto Menezes e Wander Shirukaya, Junho de 2025.
Roberto Menezes é paraibano.É professor da Universidade Federal da Paraíba. Seus livros: “Pirilampos Cegos” (romance), “O Gosto Amargo de Qualquer Coisa” (romance), “Despoemas” (contos) e “Julho é um bom mês pra morrer” (romance) e “Palavras que devoram lágrimas” (romance), "Conversa de Jardim", de coautoria com Maria Valéria Rezende, “Trago Comigo as Dores de Todos os Homens” (romance) e "Meio Estreito" (contos).
Wander Shirukaya, pernambucano nascido em São Paulo, é graduado e mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Colabora com o coletivo de escritores Recita Mata Norte, de Pernambuco e com o Clube do Conto da Paraíba. Duas vezes vencedor do Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura. Céu de água-viva (Caos e Letras, 2023) é sua obra mais recente.