1 de julho de 2021

Entrevista com Rosana Vinguenbah

Relatos insignificantes de vidas anônimas, livro de contos da mineira Rosana Vinguenbah, que sai pela Editora Caos & Letras, mergulha no realismo mágico para lançar luzes sobre a vida de pessoas em pequenas cidades. Mais afiado que o seu antecessor, o romance Sopa de Pedras (Penalux, 2018), nos apresenta uma escritora mais consciente de sua escrita e projeto. Aposta no regionalismo, nas pequenas cidades do interior e nessa vida simples que esconde complexidades afetivas, morais e axiológicas. Rosana nos apresenta personagens de um tempo que pode ser o ontem e anteontem ou o aqui e o agora; tece tramas de beleza rústica e delicadas, indo do estranho ao belo, e do belo ao etéreo, e do etéreo ao chão, e do chão ao firmamento. Conversei com a escritora sobre o desenvolvimento desse novo trabalho, influências e processo de escrita.

Antes de falarmos do livro novo, que há pouco esteve em campanha no Catarse, gostaria de perguntar duas coisas: primeiro, quando e como surgiu a Rosana escritora? E queria que falasse um pouco sobre o processo de construção do teu primeiro livro, o romance Sopa de Pedras.

A Rosana escritora de Literatura surgiu em 2018, depois de muita insistência do Elias (meu marido) para que eu escrevesse. Ele me dizia que eu lia muito e que precisava escrever também. Além disso ele tinha um desejo que eu escrevesse sobre a história da nossa região, um lugar que viveu do garimpo por muitas décadas, atividade que sua família esteve inserida. Daí surgiu o Sopa de Pedras.

O Sopa de Pedras foi um romance escrito totalmente por intuição. Na época eu não possuía o conhecimento técnico sobre a estrutura de um romance. Com uma metodologia que eu mesma criei, montei um planejamento dos personagens e depois fui montando pequenos resumos dos capítulos e colocando em uma ordem cronológica. Depois do planejamento pronto, comecei a escrever. Bati cabeça, mudei muitas coisas, improvisei e depois de pronto, mandei para revisão.

Esse livro foi o trampolim para que eu resolvesse estudar Escrita Criativa e aprimorar o meu processo de construção literária. Somos seres em aprendizado permanente e isso me motiva a buscar conhecimento e amadurecer a minha escrita.

Relatos insignificantes de vidas anônimas é um livro de contos e o anterior um romance, como foi essa transição de um gênero para outro? O conto é mais fácil que o romance, ou vice-versa, ou ambos encontram igual grau de dificuldade?

Escrever contos é resultado das oficinas que eu fiz. Nas oficinas de escrita devemos produzir textos curtos, para discussão com os colegas. Quando fiz o Projeto Cais da Débora Gil Pantaleão, o objetivo era criar textos para um projeto de livro. Como eu tinha vontade de escrever textos com elementos de Realismo Mágico, uni o útil ao agradável. Romance e conto são produções totalmente diferentes. Não significa que um seja mais fácil que o outro. Na verdade, o romance é um projeto mais longo em que você sabe que irá trabalhar por muitos meses em uma mesma história. A quantidade de personagens e de conflitos é muito maior. Já o conto, pela brevidade da história, torna-se um desafio, na medida em que o autor precisa ser conciso e certeiro. No conto não há margens para muita explicação. Você precisa atingir o leitor de uma forma mais ágil. Penso que existem contos que dizem mais do que um romance.

Lembro de uma conversa que tivemos em que você mencionava a ideia de um regionalismo contemporâneo (ou um neoregionalismo) e percebo que você manteve firme o olhar para às pequenas cidades e sua gente. Isso aparece nos contos e, em certo aspecto, parece conservar um ar de ontem, mas poderia ser hoje. Uma gente longe dos celulares e internet, das redes sociais digitais. De onde vem esse interesse?

Primeiro, esse interesse vem do fato de ter sido criada e morar no interior. Esse é o meu ambiente, a minha vivência, e escrever a partir de nossas memórias e conhecimentos é um processo natural. Segundo, porque entendo que a grande massa populacional que forma um país, não está somente concentrada nas capitais. Essas pessoas que lavram a terra, criam os animais, produzem bens e serviços que os grandes centros consomem, possuem uma gama de saberes e vivências que vem perdendo o sentido para as novas gerações. Vou dar um exemplo: quando um jovem vai até uma sorveteria no shopping e pede um açaí, em momento algum ele reflete de onde vem aquela sobremesa. A cadeia produtiva passa por alguém colhendo o fruto. Talvez, uma pequena cooperativa de produtores processou o produto, embalou e essa matéria-prima viajou por milhares de quilômetros até chegar ao consumidor final. Quem são essas pessoas que colhem o açaí? Provavelmente, um trabalhador do interior que possui uma história de vida, que merece ser contada. Eu tenho afeto por esses personagens e o seu modo de vida, que estão sendo apagados pela globalização.

Queria falar um pouco das personagens, vejo que desenvolve alguns arquétipos e os pinta com alguma melancolia. Há a questão do espelho em Dora e Dulce, um ar tristonho e um tanto conformado em Eustáquio, algo arquetípico em Corina, dentre outros. Como você pena a elaboração das personagens?

Na verdade, no caso dos contos desse novo livro, eu fiz o inverso. Pensei em uma situação, para depois criar os personagens. Como é um livro com elementos de Realismo Mágico, eu imaginava situações absurdas, sobrenaturais, ou algo do tipo, para depois pensar em quem iria protagonizar a situação. Acho que a questão dos arquétipos vem da intenção de criar características verossimilhantes ao mundo real. É involuntário. Penso em pessoas comuns, com conflitos e realidades que podem ser observadas no cotidiano.

Num dos contos, Aroma de caju, você nos apresenta as gêmeas Dora e Dulce, uma dócil e amável e oura irascível e má, uma ganha uma muda de caju e outra uma de tamarindo. O conto me lembrou uma vasta tradição na literatura de irmãos antagonistas, desde Caim e Abel, Esaú e Jacó (os da Bíblia, de Machado), os dois irmãos de Hatoum e, a certa altura, me remeteu a parábola do filho pródigo. Tudo isso me deixou curioso sobre como você construiu o conto e quais as tuas influências.

Como eu disse acima, eu pensei na situação para depois criar os personagens. Na verdade, esse conto surgiu da observação de um quadro que o Elias esculpiu em madeira. Ele tem uma imagem de uma árvore se transformando em mulher ou mulher se transformando em árvore. Depende da interpretação de quem vê. Eu via aquela criatura, metade árvore e metade mulher e imaginava que aquilo daria um conto. Fiquei quebrando a cabeça em como eu poderia criar uma situação em que uma mulher passasse por essa metamorfose. Daí surgiu a ideia das irmãs e suas respectivas árvores. O bem e o mal é um clássico da natureza humana. Dora, a árvore frondosa e Dulce, a erva daninha.

Seus Relatos insignificantes de vidas anônimas aportam no realismo mágico. Além de Gabo, o que mais te influencia no gênero?

Eu adoro o Gabo e seus personagens, mas existem outros autores que já li e que também gosto muito como Juan Rulfo, Elena Garro, Jorge Luis Borges. No Brasil eu gosto muito de Murilo Rubião, José J. Veiga. Mas, foi quando eu comecei a encontrar textos de Literatura Nacional Contemporânea dentro dessa vertente, que a vontade de escrever algo do gênero aumentou. Não posso deixar de citar o Eduardo Sabino, Isabor Quintiere, Santana Filho e Franklin Carvalho que fazem um trabalho magnifico. Mais recentemente, Eury Donavio me arrebatou também.

Rosana, para finalizar, o livro, no momento dessa entrevista está em campanha, e sairá pela Caos e Letras. Como se deu o processo de edição? E como as pessoas podem adquirir o livro?

O Eduardo Sabino e o Cristiano Rato estão tratando o meu livro com muito carinho e atenção. A capa foi criada pelo Eduardo e uns pequenos ajustes também foram propostos por ele. Tudo para que o leitor fique feliz com o resultado. Estou aguardando ansiosa para saber se o Cristiano irá presentear a mim e aos leitores com suas ilustrações, também.

Aproveito a ocasião para agradecer a todos que já apoiaram o livro e aqueles que estão divulgando a campanha. Agradeço a você também, Ivandro pela amizade e generosidade de sempre e a Editora Caos e Letras por acreditar no meu projeto.