2 de dezembro de 2020

Um papo com Wagner Willian, vencedor do Jabuti 2020 com a HQ Silvestre

Wagner Willian é editor, quadrinista, artista plástico e escritor. Na sua bio em Silvestre, o autor “vive isolado em uma pequena choupana, saindo apenas para caçar mantimentos e narrativas. Algumas delas premiadas e publicadas no exterior”. Ganhador do Troféu HQMix, Grampo de Ouro e Prêmio Jabuti, coleciona 5 obras publicadas, sendo 2 pela sua editora, Texugo. Suas obras circulam no catálogo de algumas editoras de quadrinhos internacionais como a Polvo (Portugal), Casterman (França), Coconino Press (Itália), Balão Editorial, Veneta e Darksidebooks (Brasil).

Há 4 anos, você está no mercado editorial de quadrinhos como quadrinista e editor da Texugo, como foi o começo de tudo? Você já fazia quadrinhos e publicava por outras ou teve que buscar um caminho próprio?

Meu primeiro trabalho editorial foi como ilustrador de livros didáticos. Depois ilustrei um infantil da querida Rosana Rios, Chiclete Grudado Embaixo da Mesa (Jujuba), obra selecionada por programas governamentais de leitura. Pouco antes de 2014, escrevi e ilustrei um infantil (publicado anos depois na plataforma digital do Social Comics). Mas foi em 2014 que saiu meu primeiro impresso, assinando a autoria total, o Lobisomem Sem Barba (Balão). Até então, nunca fiz um fanzine sequer.

De 2014 para cá, foram 11 trabalhos e, em 2016, o Troféu HQ Mix desponta na sua carreira até culminar nas indicações ao Jabuti em 2018 e 2020, com vitória neste último. Este reconhecimento é significativo para um quadrinista que sempre foi independente como você. Nos conte um pouco da sensação de ganhar o Jabuti na categoria que está há tão pouco tempo no prêmio e ser um dos pioneiros nessa premiação.

Quando fui receber o Jabuti pelas ilustrações do LSB ao lado do inestimável editor Guilherme Kroll, o homenageado da noite era o Maurício de Sousa. E até então não havia na premiação essa nobre categoria. Levantei a bola nas redes sociais. Fui aconselhado a escrever uma carta aberta à CBL. Redigi a bendita carta ao lado de Ramon Vitral e Érico Assis. No ano seguinte, estava lá nossa categoria devidamente contemplada. Receber o prêmio Jabuti de Histórias em Quadrinhos foi um fechamento de ciclo. É claro que é maravilhoso. É o maior reconhecimento editorial do país pela crítica. Rola aquela sensação de, apesar de todas as intempéries da vida, da profissão, de tudo, estarmos fazendo, ao menos alguma coisa, bem.

Silvestre, título da sua HQ laureada na 62ª edição do Prêmio Jabuti, neste ano de 2020, você a definiu da seguinte forma: "Tudo o que for indomável, que está em seu habitat natural sem sofrer qualquer intervenção humana, será Silvestre." A HQ é carregada de micronarrativas que retratam o obscurantismo humano na sua forma mais rudimentar, mas você nos apresenta uma beleza ímpar através da arte, o que Silvestre carrega além da fantasia e do animalesco?

A resposta está nessas micronarrativas. Está na pergunta do Curupira sobre exploração ambiental inescrupulosa; na crueza econômica do antigo lavrador sobre o desperdício de tomates; na fala da criatura em forma de lobo sobre o fim do politeísmo e como isso abriu margem à xenofobia e racismo. A resposta também está na atração que sentimos pela imagem retórica, ainda que possua um conteúdo danoso. A verdade é que a obra carrega aquilo que o leitor bem entender. Não é o autor quem deve dizer isso. E a beleza da arte está exatamente aí. A fruição de uma obra de arte pertence muito mais a quem está do outro lado e a maneira como seu repertório e vivências externas absorve a leitura.

Como foi produzir a HQ Silvestre que envolveu um processo experimental de pintura e narrativa sequencial aliada a uma história que tem a natureza como uma das protagonistas do cenário de todo o livro?

Foi livre. A prerrogativa foi exatamente essa, de criar cada página da maneira que eu estivesse a fim. Do contrário, seria algo regrado, controlado. Mirei o inverso de tudo o que parecesse ordinário. Ou seja, foi um processo facilmente desaconselhável.

Silvestre se aproxima muito de um livro ilustrado pela sobreposição artística da obra sobre a narrativa, como foi a recepção pelo público e crítica dessa pujança da arte tão visível na HQ, desde a capa que praticamente é um quadro a ser emoldurado na sala de estar?

A capa não é praticamente um quadro. É um quadro! E está na casa de um grande amigo e colecionador de Minas. Assim como outras imagens são pinturas. A maioria da série Sobre Instintos. Silvestre foi uma forma de me trazer de volta aos pincéis e óleos. Sobre a recepção do hotel, não tenho o que questionar.

O Maestro, o Cuco e a Lenda e Silvestre são suas obras mais longas, com edições especiais de luxo, em capa dura policromada equiparáveis às Graphics Novels vendidas no mercado, esse formato fez diferença à apresentação e recepção do seu trabalho no mercado editorial se comparado aos trabalhos anteriores? Quais são os principais diferenciais dessas duas HQs, na sua opinião?

É aquela coisa de pensar o livro como objeto, como experiência física e até de artefato. E muitas editoras investem nesse quesito para disputar contra uma leitura digital pirata por exemplo. Mas é claro que a relação do leitor com o livro é única, e aquele título que para mim poderia ser um pocket impresso em papel jornal, para outro deveria ser bitelão com página de 120g e capa soft touch. Sobre as diferenças entre Cuco e Silvestre, diria ser as diferenças entre o furor da infância e as resignações velhice.

É hora de conhecer a nossa verdadeira natureza em 'Silvestre' | Trilha Do  Medo

2021 vem aí e a torcida para que essa pandemia passe logo e possamos ver os grandes eventos do mercado dos quadrinhos como CCXP, FIQ, Bienais e Feiras independentes lotados novamente, e você sempre presente em todos, quais são os novos projetos para o ano vindouro?

Tomara que o cenário mude e as feiras possam voltar. Que falta faz.... No primeiro pico da pandemia, escrevi Onça-me, um quadrinho sobre relações abusivas. Provavelmente sairá só ano que vem. Fiz um outro Quadrinho, este sob encomenda. Trata-se de uma adaptação literária (ainda em segredo de Estado). E fechei contrato para outra adaptação a começar ano que vem (outro segredo). Infelizmente, aqui é boquinha de siri.