26 de outubro de 2020

Como se faz o poema de Bianca Gonçalves

Como se faz o poema é uma série que compartilha o processo criativo de poetas brasileiros/as.

Bianca Gonçalves é poeta, pesquisadora e professora, nasceu em São Paulo, em 1992. Publicou o livro de poemas Como se pesassem mil atlânticos (Urutau, 2019). Escreve crônicas e ensaios no blogue “Bianca não é branca” [biancanaoebranca.wordpress.com].

*

necropolítica

escrever um poema a um homem
antes que o levem

antes que ele se perca numa
estrada vazia antes
que ele desista
de sua própria vida

escrever um poema a um homem
antes que o joguem água fria
ácidos ou gás antes
que em praça pública
depositem sua cabeça
numa bacia

escrever um poema a um homem
escrito em caneta rosa
com ponta fina
um poema que toque
e o faça tocar
cada parte
da sua estrutura
física

um poema que reduza a estatística
e que meu amor
traduz

antes que seja tarde
antes que o deus deles
apague a luz

*


Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Como é esse processo?
Tenho várias formas de escrever um poema, mas cito três: 1) A partir de fragmentos: começo tendo uma remota ideia do que quero escrever, apenas fragmentos de, no máximo, duas linhas. Deixo a ideia decantar e, em seguida, tiro um tempo para ver se o poema vinga. 2) A partir de sons: pego palavras ou estruturas sintáticas cujos sons me agradam para o poema que quero escrever. Fico repetindo a palavra ou frase em voz alta. Caço outros sons irmãos. Esse jeito de escrever poesia exige que eu fale em voz alta -- e é também dessa forma que consigo escrever o poema de forma mais rítmica. 3) A partir de leituras: muitos poemas meus nasceram de leituras diretas de outros poemas ou de narrativas, teorias etc. Estes costumam surgir na última página do livro lido, aquela que é toda branca e que parece esperar uma intervenção.

Qual é o seu poema favorito? ( seu e de outro poeta)
Dos meus, gosto mais do "não bebo café".

De outras/os poetas, difícil escolher. Posso responder que, hoje, meu poema favorito é o "Possessio Maris", da poeta portuguesa Inês Lourenço, que ela dedica para a Adília Lopes.