11 de abril de 2020

A poesia de Lucas Perito

A Noite Mais Tardia

“Ce sera barbare,

Ce sera sans espoir”

Jules Laforgue

 

Na mais tardia das noites

me vi pensando sobre o caminho percorrido

por aquela ave a riscar um céu já amarelado

na fuga efêmera do tempo

que cada vez mais se distancia

afastando os cheiros do dia.

 

Deslizo para fora do círculo

de um objeto que tanto me impressiona

e o sono me observa

 

os passos se tornam incertos

o dia também dorme

as vozes emudecem.

Sinto o tédio se abatendo sobre o espaço

- um verdadeiro feito -

 

Retrato do completo embrutecimento.

 

*

 

A Voz Humana Reinterpretada

 

Sussurro

um sussurro para se perpetuar,

para ficar de encontro aos objetos,

um sussurro para romper a incompreensão do espaço

para resvalar corpos transparentes,

profanar a dúvida na dúvida,

roçar a arquitetura do instante

 

Ganhar fôlego,

passar a frequentar o futuro

que adensa o buraco cavado anteriormente,

então germinar,

germinar contra uma semente

aquilo que perece:

 

um corpo (quiçá) para semear o que virá.

 

*

 

Numerações

 

Paralelamente, na soma,

um produto

transforma-se em coisa ao acumular números,

coisas ao lado de coisas,

que como coisas, formam um objeto,

uma coisa,

que sendo coisa, morta está.

 

Na ausência de algo palpável, ainda que real,

é a memória que, não tendo a coisa,

com um objeto (coisa) faz a coisa,

que sendo coisa, é real.

 

Para que haja narração,

é preciso que nasça uma desordem no mundo,

uma quebra de curso,

da coisa na coisa,

que sendo coisa, viva está.

 

A terra que preenchia uma boca,

ainda que não haja mais boca,

é coisa de uma coisa,

uma talvez coisa-objeto,

que sendo coisa, é linguagem.

 

A geometria do coração é obliqua, sempre,

sendo preciso se livrar

e ainda assim ultrapassar as margens

para que as estátuas suem.

 

 

Pau-brasil

"O sono está.

E um homem dorme".

Jorge de Lima

 

O absoluto existe em uma fila de formigas

onde um graveto desloca o desatento que

segue o rumo cego de uma nova existência.

As grandes catástrofes são papéis em forma de país,

se consomem em brasa,

e a justaposição do universo

abre a cortina do passado.

 

*

 

Lucas Perito (São Paulo, 1985). Poeta. Escreveu livros ligados a história e fotografia, fazendo os textos de acompanhamento para o livro fotográfico “Caminhos da Mantiqueira” (2011) de Galileu Garcia Junior. Publicou seu primeiro livro de poemas, 38 Movimentos, pela Lumme Editor (2018). Tem poemas publicados em algumas das principais revistas brasileiras, além de algumas revistas de Portugal, Espanha, Galícia, Colômbia, Peru e México.