A poesia de Eliza Caetano
Eliza Caetano, nascida em Belo Horizonte, é jornalista, mãe de duas filhas e escreve desde sempre. O Caderno das Inviabilidades é seu primeiro livro de poemas.
O caderno das inviabilidades
Minha vontade irremediável de listar palavras inviáveis.
Inviáveis, sua barba ou cabelos.
O avião, incapaz de remediar minhas convicções inviáveis ou
o defeito no lobo da orelha.
Minha perversidade.
O que me ocorre embaixo do chuveiro.
A ereção inviável e o beijo.
Os homens inviáveis.
Os homens, de onde nada nasce.
Onde não há menstruação
não cabe vida, as mãos injustas e protetoras dos homens.
Os filhos inviáveis dos homens cujo desejo me torna inviável.
Os pés grandes demais, os olhos dos homens que não sabem
chorar, ou nem só falar,
os homens que não sabem.
Os homens e seus pelos inviáveis, suas mãos sujas,
seu tesão exposto.
O homem que me alimenta, inviável, o caderno de inviabilidades,
a quem sorvo diariamente na cama da casa que eu fiz
viável para o homem morar.
O homem cuja inviabilidade eu exponho debaixo do lençol a
cada dia, todos os dias,
na inviabilidade selada com o anel, o olhar pobre ora meu,
ora dele, diante ao mesmo tempo
do dever inviável e do
mero amor,
livre de mim, livre dele,
o amor insone sobre a cama feita ao lado da janela voltada para
o prédio vizinho à revelia de nós dois.
*
O atirador de facas
O atirador age calmo e morno
mesmo o sangue do baço perfurado
mesmo o sorriso de olhos fechados
ganha o jogo quem acertar sem querer
O herói do circo é o atirador de facas
aos olhos da moça pregada na parede
seus olhos tremem
O que ela quer
receber facas pelo corpo
o fio dos dentes do atirador de olhos azuis partindo suas postas.
Era uma vez uma garota na ponte
eram olhos de correnteza que a fitavam lá
de baixo.
Atirador, ela é nas suas mãos
retalhada de olhos fechados
de olhos abertos
fixos em seus olhos de correnteza azul.
Enquanto você gira para atirar
seu sorriso é morno
e seus olhos continuam
correnteza. Suas mãos
e meus olhos são
castanho–escuros.
Enquanto você ganha
meus seios e pele, enquanto,
querido atirador, escrevo
uma carta e mostro
o caminho para suas lâminas
sei que você tentará acertá–la.
Me atire, a garota na ponte,
o sorriso na ponte,
seus olhos de correnteza azul
na ponte.
*
Ando depressa pisando o tempo
se há força onde o pai não está
na música que não cantará para dormir
longe dos dedos de máquina de escrever
escrever, escrever
os tipos depressa quebrando o tempo
sob os olhos que me leem
ainda dentro da música de dormir
costuro os cacos se o tempo quebrar
talvez aprenda valentia e não precise coser
não haja louça
não haja passo
nem cacos fincados nos pés
talvez eu consiga haver só o tempo
batendo. em silêncio.