A poesia de João Batista de Carvalho
João Batista de Carvalho (PI, 1981) Poeta e professor da cidade de União-PI. De origem humilde, portador de sensibilidades herdadas de sua Avó - lavadeira de roupa - responsável pela sua criação. Fez Mestrado em Letras (UESPI). Autor do livro de poemas “Fagulhas” (2008). Vencedor de prêmios de poesia em sua cidade e em Teresina. Já editou zines, poemas em canetas e organizou vários saraus em União e em outras cidades. Organiza, desde 2007, o evento artístico “Cesta de Poemas”, em que, dentre outras atividades, publica anualmente uma antologia de poetas unionenses. Tem poemas publicados em blogs, sites, revistas e jornais. Em sua conta no facebook publica regularmente poemas e outros tipos de textos. Foi um dos poetas participantes do livro “Baião de todos”, coletânea organizada por Cineas Santos, em 2016.
enguias
em águas
de algaravia
as palavras
- mágicas enguias
só beliscam
de verdade
o anzol
que as acaricia
com a isca
da eternidade
*
pássaro da tarde
pousado numa árvore
com o olhar absorto
as plumas nubladas
surdamente gorjeia
o pássaro da tarde
e o que se escutam
são folhas ausentes
flores longínquas
céu em eclipse
lago em lassidão
e a voz do crepúsculo
atravessando o pássaro
que nesse instante
não pia nem canta:
se esconde
*
das horas entretecidas
não há arrimo para as horas
que se imprimem
nas revistas da memória
este casulo que devora
o que abriga: finos
fios de metamorfose
nada - nem as palavras -
devolve
às cacimbas do corpo
as águas
que o tempo evapora
e que vão ressurgindo
apenas
riacho em ruínas
ante o mirar das
marrecas do agora
*
do pássaro que contempla
o que em ti não alcanço
com os poderes da carne
serve para dar músculo ao poema
que mais posso querer
se te posso contemplar?
se posso engravidar palavras
com o que não cabe na existência?
quem disse que é triste o pássaro
que em vez de bicar a fruta
do alçapão
prefere cantar com toda força
a beleza de poder ter fome?
*
meu poema
meu poema é quintal
sem cerca
biqueira de casa
em tempo chuvoso
meu poema: pedra
de baladeira
entre os dedos
de um menino afoito
água de cacimba
na goela dos dias
que nunca terminam
riacho de lavar roupas
manchadas
de perdas e insultos
varal de estender vestes
molhadas
do que sou e busco