1 de março de 2017

A poesia de Claudio Daniel

Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, nasceu em 1962, em São Paulo, onde se formou em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. É doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Publicou 25 livros de poesia, ficção, antologias, ensaios e traduções, entre eles os seguintes títulos: A sombra do leopardo (Azougue, 2001), Figuras metálicas (Perspectiva, 2005), Cores para cegos (Lumme Editor, 2012), Cadernos bestiais, volume I (Lumme Editor, 2015), Esqueletos do nunca (Lumme Editor, 2015) e Livro de Orikis (Patuá, 2015). Participou de antologias de poesia brasileira contemporânea no Brasil e no exterior. Organizou os eventos literários internacionais Galáxia barroca e Kantoluanda, em 2006, em São Paulo, e foi um dos curadores do Tordesilhas, festival ibero-americano de poesia contemporânea, em 2007, e do Tordesilhas, poetas de língua portuguesa, realizado em Lisboa, em 2010. É editor da revista eletrônica de poesia e debates Zunái (www.zunai.com.br) e mantém o blog Cantar a Pele de Lontra (http://cantarapeledelontra.blogspot.com). Foi curador de Literatura e Poesia no Centro Cultural São Paulo entre 2010 e 2014. Atualmente é colunista da revista CULT.

Os poemas aqui publicados, são do livro “Livro de Orikis” (Ed Patuá, 2015).

 

OGUM

Ogum Oniré
pisca o olho
e cai um dedo
do mentiroso.
Pesca o peixe
sem ir ao rio.
Molamolá
– farejador
de farelos –
livra seus filhos
do abismo.
Ogum Ondó
viajou a Ará
e a incendiou.
Viajou a Irê
e a demoliu.
Senhor de Ifé,
livra seus filhos
do abismo.
Ogundelê
malha o ferro
e faz flechas
de flagelo.
Comedor de cães
fulmina o racista.
Ogum Megê
queima o sangue
do fascista.
Megegê
golpeia o golpista
da revista.
Ferreiro-ferrador
forja a foice
forja o martelo.
Que não falte
o inhame.
Que não falte
massa de pão.
Pai do meu avô,
livra seus filhos
do abismo.

Ògún ieé!

 

*

 

EXU
Lagunã corrige o corcunda.
Faz crescer a lepra do leproso.
Põe pimenta no cu do curioso.

Legbá ensina cobra a cantar.
Entorta aquilo que é reto,
endireita aquilo que é curvo.

Exu Melekê — o desordeiro
faz a noite virar dia e o dia
virar noite. Surra com açoite

o colunista da revista. Cega
o olho grande do tucano —
e zomba do piolho caolho.

Marabô vai-vem-revém.
Quente é a aguardente
do delinquente. Elegbará

com seu porrete potente
quebra todos os dentes
do entreguista privatista.

Bará tem falo de elefante.
É o farsante dos farsantes:
fode a mulher do deputado

hoje – e faz o filho ontem.
Agbô confunde o viajante
e o faz perder a sua rota.

Bará Melekê compra azeite
no mercado — levando peneira
volta sem derramar uma gota.

Larôye Exu! O desalmado
soma pedras e perdas na sina
do condenado. Sete Caveiras:

que seja suave minha sina
neste mundo tão contrariado.
Que seja suave – Larôye Exu!

 

*
IANSÃ

Oiá vem
com o vento
vem e revém
mãe do meu
pensamento.
Faz a pedra
Flutuar.
Escreve
na folha
palavras
de vento.
Mulher-leopardo
faz amor
amar
e medo
sentir medo.
Eeparrei!
Come pimenta
Vermelha.
Dança com pés
vermelhos.
Olha com olhos
vermelhos –
como se
quebrasse
cabeças.
Mulher-leopardo
dona do raio
e do vento
– aquela
que vem
dançando
aquela
que vem
dança-dançando
aquela
que vem
dança-noite-dançando.
Oiá ô!
Tira tripa
do mentiroso.
Fura olho
do preguiçoso.
Mãe do meu
pensamento
não me queime
com o sol
da sua mão.
Afefê Ikú Funã
aquela-
que carrega-
o-chefre-
de-búfalo-
e-dança-
no-cemitério-
coberta-
de-cinzas-
dissipa meu tormento.

Eeparrei!