22 de fevereiro de 2017

A poesia de Nina Rizzi

Nina Rizzi (SP, 1983), historiadora, tradutora e poeta, vive atualmente em Fortaleza/ CE. Tem poemas, textos e traduções publicados em diversas revistas, jornais, suplementos e antologias. Autora de tambores pra n’zinga (poesia, Ed. Multifoco, 2012), caderno-goiabada (prosa-ensaística, Edições Ellenismos, 2013), Susana Thénon: Habitante do Nada (tradução, Edições Ellenismos, 2013), A Duração do Deserto (poesia, Ed. Patuá, 2014), Romério Rômulo: ¡Ah, si yo fuera Maradona! (versão em espanhol, Ed. Dubolsinho) e geografia dos ossos (poesia, Ed. Douda Correria/ Portugal). Publicará em 2017 um novo livro de poesia e dois de tradução; coedita a escamandro – poesia tradução crítica [https://escamandro.wordpress.com/], e escreve seus textos literários no quandos [http://ninaarizzi.blogspot.com].

 

casida a árbol de diana

coração das 22h
água morna em profundo
a noite no espelho regresso

alguma coisa em lentidão
busca o sensível

inalcançável

*

escrita aos ímpares

Desce. Desce mais ainda.

Aqui ou em Tsárskoie Seló ou East Coker
É sempre escuro depois da zero hora
Escuridão de chão e muros e pedras.
(Não conhece ainda a escuridão das águas e o vento
E nunca existe o Bom-Selvagem se um dia pisou e viu
O chão, muros e pedras)

Desce. Desce mais ainda.

O frio já invém e cada pedaço de lugar
É comido pelo tempo, triste lugar.
Pedra ontem, pedra hoje e nunca
A mesma diante do olhar variegado e tua descida.

Desce. Desce mais ainda.

Que importa se o agasalho mal te cobre
E todo olhar variegado é igual?
Passam os seres com suas desumanidades e doenças
Tantas, como as tuas. O normal é que os desaproxima
E faz bochicho, chacota, ou nem isso e nem nada
Como a lua nova na calada madrugada

Desce. Desce mais ainda.

Até que não haja um só dente na escuridão.
Reles, vil, faz-te de cada cimento e aço
Dos lugares que não o-são
Transubstancia-te de tudo o que fizeram
A Grande Civilização e Cultura, te alastra
De todo o Tempo e a palavra
Costume, hoje é mais um dia.

Desce. Desce mais ainda.

Ácido, pérfido, até que descalce
Todo milagre – o falar, o ranger dos ossos
Qualquer lágrima como lâmina fria
O calor de uma e outra mão.

Desce. Desce mais ainda.

Conversa com a Treva, os desclassificados das calçadas
Aquele que agoniza numa casa em chamas, Escória e Só.
Conte aos amontoados de pele e ossos
E a carne-necrose dos segredos menores -
O ínfimo, o invisível, esses séculos de História, Pó.

Desce. Desce mais ainda.

Com a lata, as cinzas, o isqueiro e a colher
Os lábios queimados e o sangue exposto
Sê mínimo, agudo, cidade-baixa.

Então te levanta.

É Gente.
De frio e escuro e solidão.
Pode ser Grande?
(do livro - A Duração do Deserto)

*

a morte do favelado, réquiem
- motivo para aidan

1
os buracos vazios de vez
trinta e uma mil balas para pacificação
esturricam no chão

2.

um dia de manhã sentei naquele chão

tão preto
tão morto

fechei os olhos garrada em seu sangue seco
e pensei em quem seria
quem foi
ele os invisíveis

abri
como uma refugiada de guerra
uma vaca magra na fila do abate

3.

ouço as sirenes indo embora
chegando
como uma marcha de chopin

os pássaros
o que é vivente
estão lá - longe
desse silêncio de mármore

outro carro
mais uma nota na marcha
insinuação de morte

4.

perene os vinte um sabores
picolé pipoca algodão doce tapioca
que os meninos se indo
saberão ainda - ausentes

bombas pás
rastros de névoa
aqui acolá
dissipam na floresta de ossos
(do livro - geografia dos ossos)