A poesia de Jeanne Callegari
Jeanne Callegari é poeta. Nasceu em Uberaba, MG, em 1981, e escreveu o livro Caio Fernando Abreu: Inventário de um Escritor Irremediável (Seoman, 2008), biografia do autor gaúcho. Tem poemas publicados em revistas como Raimundo, Modo de Usar, Confeitaria, Parênteses e Escamandro. Jeanne faz parte do grupo de autores que criou o projeto Escritores na Estrada, que vai passar por várias cidades brasileiras com oficinas, bate-papos e leituras. Miolos Frescos é seu primeiro livro de poemas.
o corpo elétrico
nos dias meio cheios
em que o canto dos pássaros é azul
o corpo elétrico pula da cama
esquenta um coração na frigideira
desenrola uns passinhos seminu
o corpo elétrico ganha a rua
e compra uma flor na esquina
para a própria sepultura
*
corpo nostálgico
as ideias pegam metrô comigo
enquanto escrevo fotografias de infância
onde foram para as bruxas
e os vaga-lumes
o monstro da cisterna
escapa de bicicleta
wendy se esconde
o banheiro assombrado
debaixo d mangueira trinta e dois tesouros
ainda esperam ser encontrados
*
corpo pretérito (memento mori)
no século 16, a capela dos ossos foi construída por um franciscano
com os crânios de cinco mil monges, em évora, portugal
ali perto, em faros, outra pequena capela feita de ossos foi erguida em 1719
entre seus adornos, está um esqueleto revestido de ouro
a capela mortuária de eggenburg, na áustria, foi inaugurada no início do século 14
com os restos mortais de 5.800 pessoas
na república tcheca, em brno, o ossuário subterrâneo da igreja de são tiago
guarda 50 mil esqueletos e está aberto ao público desde 2012
os restos mortais de milhares de frades ficaram enterrados por trinta anos
antes de serem usados nas paredes da cripta dos capuchinhos, na itália
erguido com ossos dos mortos pela peste no século 14, o ossuário de sedlec
foi tema de um curta-metragem de jan svankmajer, em 1970
“nós ossos, que aqui estamos, pelos vossos esperamos”, diz a inscrição
na entrada da capela de évora
na alemanha, em augsburg, um relógio em que a Morte
marca a hora