12 de outubro de 2016

A poesia de Carina Carvalho

Carina Carvalho tem 26 anos e é paulistana. Cursa o mestrado em Estudos Literários na Unifesp. Em 2013, publicou o livro de poesia Marambaia, pela Editora Patuá. Tem poemas em algumas revistas online e antologias impressas – como É que os hussardos chegam hoje (Patuá, 2014) e a revista portuguesa DiVersos (2014). Escreve no blogue clcarina.wordpress.com e prepara agora a Passiflora, plaquete artesanal de poesia cujo lançamento acontece ainda este ano (é uma promessa!).

 

uma flor imensa e amarela

I. lembrança

[no fim houve alguma piada sobre coelhos,
estavam no teu sonho... rimos]

quando criança fui sonâmbula:
conversava doidices,
levantava para deitar no sofá,
na cama da mãe.

II. você

na minha cama
este é um minuto de velar teu sono
ouvindo a partir do peito (pois estou em cima)
o ronquinho suave de quem carregou um dia
na cabeça e agora o solta
lá dos pulmões.

uma ternura quis tocar tuas têmporas
e eu lhe agarrei as mãos,
para não te acordar.
pedindo ajuda à cautela,
no entanto,
decido mudar de posição.

III. repousar

quando me mudar daqui, terei
um jardim com plantas
que sonham.

decidi que uma flor imensa e amarela
vai levantar no meio da noite tontinha,
pular minha janela e repousar
iluminada bem no centro do quarto.

de modo que meu peito, quando acordar,
será tão leve quanto a sua menor pétala.

 

*

 

trinta e cinco
eu lembro de verões muito quentes
e de como as plantas miram o chão, vendo a secura dos próprios pés.
lembro de blusas dobradas em estilo lambada,
melancia para comer agachado na calçada
e de como o suor faz o corpo parecer brusco embora na outra ponta
das vontades escaldantes um minuto corra em arrasto.

lembrei como no fim do dia, debaixo da água fria,
a carne parece um plano fervente em que foram jogados vislumbres em gota.

lembro como sem porquê evito tanto a cor amarela.
pensei em girassóis e depois na beleza do tempo e seu controle difícil.
pensei em sóis e em largar de controle.

depois um ramo quebrado de alecrim, sua foto na geladeira, a conta d’água, limonada.
o gesto lançando os cubos de gelo e uma torcida estranha para que nada volte a seu lugar.
lembrei o mar,,,

depois esqueci.
***

 

– olha pro lado.
uma foto despenca da parede com ar de coisa inevitável,
uma frase suspende a tarde, e você fica tudo névoa.
um corpo feito em substância, cuja silhueta é tão perfeita
que inclusive existe e nos espaços suspira.

no fundo das coisas, com os olhos fechados
e suas partículas de segundo pairando brilhosas,
o mar ainda é imenso.
ainda, de algumas coisas, dá para pular sem oxigênio extra,
ainda se sonha em ver baleias que surjam
para cortar a água.
o branco denso de nuvens tocando a superfície
seria um algodão-doce-de-sal, sabor de descanso mudo.
um trajeto, algumas horas, muitos poros, dois mundos:
choque de realidade.
é piscar de lado, pleno dia, e você ainda fica inteiro névoa.