3 de agosto de 2016

A poesia de Madjer de Souza Pontes

Madjer de Souza Pontes é natural de Pedra Branca, cidade do Ceará. É mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará. Já realizou diversos zines, um dos idealizadores da Revisa Pechisbeque. É poeta, tendo publicado o livro o núcleo selvagem do dia, pela editora Substânsia, da qual é um dos editores.

 

[são josé]

temos sede e o arco de uma questão
sempre em aberto – o mundo narra dádivas:
a floração do juazeiro – nuvens
se estendem no céu como um véu espesso –
joão-de-barro em casa forte e as abelhas
tecendo mel – tatupeba em dezembro –
nossos olhos voltam-se para os céus
úmidos de esperança – a terra brilha –
na alma cultivamos em oração
as sementes da fé e do amanhã

 

[maya]
em teus olhos oculta via diluída:
a origem do mundo em teu sono manso –
há alguma certeza em teus sinais
que escapam sinuosos entre o instante
de sedução e de eterna ilusão?
a luz e o mistério em teus movimentos:
a flor que desabrocha do teu silêncio
pulsa no oceano de teu destino –
um sopro e a extensão do deserto:
um caminho diluído em teus olhos

 

[gregório de matos guerra]

se a poesia alguma coisa ensina – sina
é a certeza de que o homem encerra – erra
sempre em seu peito uma dor profunda – e funda
em seus dias a hora inominada – nada
que o breve que o tempo confere – fere
inda mais qu’escolhe apenas – a pena
investigando na desgraça – a graça
ou entre os feitos da loucura – a cura
e quem lhe assiste ao desvelado – lado[1]
defronta-se com este infeliz – feliz

 

[antônio francisco lisboa]

são os traços traços auto-imitados?
tal um jogo d’espelhos – que na obra
a sinuosidade é seu próprio reflexo?
um trágico ato que em si mesmo se desdobra?
os mesmos traços – traços do mistério?
tal um jogo de sombra e luz que engendra
o claro exagero no sabão-pedra?
de joelhos a criação frente à paixão
do rito: mãos disformes em conflito
entre a arte a fé – o engenho e o espírito

 

[johann sebastian bach]

milcores de um dédalo em meu peito:
polifônico oceano – o coração –
vibram curvas voos luzes e sons –
em coro harmonias de um sol liquefeito
em fulgurantes cristais: turbilhão:
multiplicidade do mistério vivo
pulsando a tessitura dos mil tons –
o cravo desabrocha infinito
nas indefiníveis siderações
de cores vozes símbolos e ritmos

[1] MATOS, Gregório de. “NO SERMÃO QUE PREGOU NA MADRE DE DEOS D. JOÃO FRANCO DE OLIVEYRA PONDERA O POETA A FRAGILIDADE HUMANA”. In Gregório de Matos: obra poética. edição James Amado – 4ª ed. – Vol. I. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 78.