29 de julho de 2016

Quando eu li Adriana Lisboa

 

Não acredito em amor à primeira vista, por outro lado tenho fortes crenças em paixões ao primeiro parágrafo. Foi assim que, de passagem por algum recanto da internet, topei com alguns pedaços do que escreve Adriana Lisboa. Explica-se: tenho o hábito de ler amostra grátis de livro. Aqueles trechos iniciais disponíveis nos sites das editoras, dando ali brecha para o leitor desavisado descobrir novas histórias. Lá, conheci Adriana. Percebi logo que estava diante de alguém que escrevia como se esculpisse sentimentos em vidro. Senti reconhecimento e intimidade naquele texto delicado; segurei bem as palavras, temendo espantar a leveza. Não é todo dia que me despertam esse fascínio quieto, vagaroso, de ler suspirando.

Ao encontrar “Hanói” em uma das livrarias de Brasília – que carece de boas livrarias –, quase senti como se Adriana me fosse destinada. Olha ali, a premissa do romance, bem parecida com uma história que eu mesma estive a escrever: um doente terminal que encontra em uma amizade inesperada dois minutos de amor. Em “Hanói”, a autora fala sobre a solidão dos imigrantes, da morte e dos pequenos encontros. Foi o suficiente para celebrar um tesouro.

Depois disso, passei a procurar um outro romance, o “Sinfonia em branco”, soube que ganhou o prêmio José Saramago. Nesta cidade de livrarias desfalcadas, não encontrei. Sem paciência para os prazos longos dos Correios, comprei o e-book. Desta vez, o suspiro ficou preso no meio da garganta, entalado. “Sinfonia em branco” é também um livro triste, como “Hanói”. Estrondosamente bonito, com uma narrativa que se desloca em reminiscências e imagens para contar a história de duas irmãs separadas pelo tempo – e atormentadas pela memória de um terror tão íntimo quanto irreversível.

O que me encanta na autora carioca é a capacidade poética, a habilidade secreta dos meus escritores favoritos. Todos os gestos, os olhares; as descrições têm cheiro, têm peso. Em dramas pessoais, em acasos fortuitos, a vida aqui ganha tradução. São poucos os que sabem traduzir angústias.

“Por quais caminhos bifurcavam-se os destinos? Quantas fantasias tecidas com a delicadeza de filigranas viam-se abortadas? Quantas surpresas inchavam como sombras por trás de cada passo dado?” – é o que questiona a voz narrativa de “Sinfonia em branco”. Mais tarde, com uma perspectiva calma e flutuante, conclui: “o tempo é imóvel, mas as criaturas passam”.

Já li outros pedaços dos outros trabalhos de Adriana, planejo ler tudo, pois é assim que se constroem minhas obsessões particulares. Sei que ela mora nos Estados Unidos, mas às vezes a tenho como uma amiga. Uma professora. É difícil ser mulher neste mundo, não é? É difícil ter um universo dentro de si, colecionar os buracos negros particulares. Gostaria de perguntar a Adriana quais são essas coisas que a feriram, ou deixaram tanto rastro de felicidade, e o que ela mesma gosta de ler quando precisa abrir sorrisos. Por ora, ela já se tornou uma das minhas maiores referências pessoais.

 

Fabiane Guimarães é escritora e jornalista. Seu trabalho mais recente, “Pequenas esposas”, foi publicado em formato de folhetim na Revista AzMina (azmina.com.br). Site: fabianeguimaraes.com