11 de maio de 2016

A poesia de José Juva

José Juva, mamífero, poeta, ensaísta. Visitante do paleolítico e ativista do movimento pelo teletransporte público. Jornalista, mestre e doutor em Teoria da Literatura. Publicou os livros: Deixe a visão chegar: a poética xamânica de Roberto Piva (2012), Vupa (2013) e Breve Breu – escritos sobre literatura e cinema (2014) e Watsu (2016). Membro-fundador do Coletivo Casa de Marimbondo e da banda Naturalprensado. Discípulo da equipe jamaicana de técnicos arcaicos do êxtase.

 

***

 

canto aos anarquistas caídos no musgo dos nossos peitos
para evitar aos batedores de carteira e ao primeiro amor

assim fundamos uma cidade

a matança no dia de nosso pequeno deus ocioso
o strip-tease das abelhas e o homem que desejou viajar
dentro de um hipopótamo de plástico

enquanto cortava as unhas
o rapto da eternidade que vendem os relojoeiros
a manhã aos pés do inseto

durante o cochilo do mendigo

o pé numa rua sem saída
a mulher que se alimentava de rosas mortas

também a chuva dorme debaixo da sombra

o tigre é agora
o tarot do inconsciente anônimo

e deus é a simetria de um sapo

 

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nos bolsos furados da nossa memória

para camillo José

as pernas quebradas, um velhinho jogando
pôquer com os pombos, um pedaço de chão
coberto de lodo onde enfiamos nosso narizes
para fugir do cheiro do barulho dos prédios,
moscas sobrevoando a paz dos pratos sujos,
livros de receitas da avó de eddie vedder,
bagas, litros de suco de pitanga com pastel,
plantas carnívoras, carcaças de canários,
gols feitos durante a fuga das aulas de língua
portuguesa, noites de vinho e vômito, visões
de naves alienígenas transformadas em bolhas
de sabão, sabedoria da velhinha que vendia
amendoins e deliciosos caldinhos de sururu,
o peixe-beta que morreu na frente do espelho,
as bolas de gude roubadas e perdidas, mangas
com sal nos terrenos baldios, deus e sua solidão

 

***

 

os barulhos fundamentais do ser
respira, respira - meu bem dorme. O silêncio é uma grande
lenda contada por minha avó. Acho que o Hans Arp escreveu
um conto sobre isso. Escuto a noite e meu bem dorme. Rumor e
vertigem. Barulhos. Pela vida acumulamos barulhos, ruídos que vão
se amontoando, sussurros que vão criando painéis afetivos. Nossos
corpos escrevem uma música psicoacústica. Fôlego. Os rumores da
noite, a noite se

e s t i c a n d o                                  como uma pele

A manhã acende uma canção, eu vejo pássaros cobrindo
sorrisos. Permanecemos dentro do sonho, os sons cavando espaço
no peito, roendo o tempo de nossas almas, mordendo, mastigando
a paisagem aberta e improvisada de nossas medulas. Os sons. Um
jazz repentino cavalgando em nossas cabeças. Assim, num susto.
A boca abrindo e fechando, batendo os dentes – uma oração breve,

por nós

 

***

 

o grande e o pequeno fiteiro do
comerciante universal*
vendemos um poema para cada janela
enquanto passeamos, vira-latas na via láctea,
com os olhos engolindo um pouco de luz
que escapa da fiscalização do trânsito celeste

gigantes de pedra morreram asfixiados
apesar disto, a erva cresce no final
do corredor. nossas dores escorrem
pelo caule da árvore, pingando por suas raízes
aéreas. esfinges fingem não roer as unhas
quando olham as ruínas da conciliação

a pele dos prédios descama cotidianamente
e o sol retorcido das pichações faz carinho no lodo
*O poema não está em sua configuração original, pois o wordpress não deixa que os espaços em branco sejam as quebras dos versos.