4 de maio de 2016

A poesia de Yasmin Nigri

Yasmin Nigri, carioca, 25 anos, é graduada em filosofia pela Universidade Federal Fluminense, onde atualmente cursa o mestrado na linha de estética e filosofia da arte. Feminista, cofundadora e integrante do coletivo Disk Musa, trabalha com produção de conteúdo áudio visual e performance buscando aliar arte a uma atitude política transformadora. O coletivo prepara sua primeira revista de arte e poesia feita só por mulheres para o segundo semestre de 2016. Colabora também com a Oficina Experimental de Poesia, que acontece toda quarta-feira no Méier. Tem poemas publicados nas revistas Mallarmargens, Escamandro, Germina e Jornal RelevO.

 

Não bastasse entrelaçados

 

À espera do sono
Onde sonho e realidade convergem
Para que se repare o dano

Antes que assente fundo
Antes que os perseguidores possam reclamá-lo

Preciso fosse, escreveria ao mofo das paredes, preciso fosse,
__________.

Então você chega
E traz consigo tudo que a aurora dispersou

Envolve meu ventre com
O delicado manto que sai da sua pele
E deita ao meu lado o segundo astro que veste a cidade 

 

Separar as tarefas do dia

Sair do acordo com o pântano

Enumerar lugares mais penalizados
Me convidar para um ménage
Recusar o convite por medo de decepcionar duas ou mais pessoas de uma vez

Traçar estratégias para quando a vida me derrubar tais como
Um dublê

Traçar espaços para os quais estou indisponível em ordem decrescente
___________

___________

___________

Começar, apesar das desvantagens linguísticas
Fazer pegar o apelido comedor de batatinhas fritas novamente

Se é que tudo isso me compete
Se é que tudo isso não seja reabsorvido

Ser aquela que grita “o rei está nu!” enquanto todos elogiam seus trajes
Ser um embuste maior que o rei

Chegar numa conversa e dizer
Obtusa monocultura stripes and stars!
Com entonação solene

Ser uma dessas pequenas personagens que recebem mais atenção do que merecem
E vocês se lançarão em cima da isca

Pintar por passatempo ou terapia e ganhar milhões
Tirar desses milhões a grana pro dublê

Bolar um último recurso

Como Bart Huges o fez ao perfurar o terceiro olho com uma broca de dentista
Tornando-se o precursor da trepanação e um dos expoentes do happening

Elencar recortes de classe

No linguajar comercial P.A é calculado através da soma de peças vendidas dividido pela quantidade de atendimentos
No linguajar universitário P.A é um pau amigo
Seus olhos se esquivaram

A carta sétima é das coisas mais belas que já li

Especialmente o trecho que diz
Nunca falei sério sobre coisas sérias

Requer uma lista:

1. Esotéricas
2. Em todo texto há duas verdades
3. Impossível é só um dos nomes do REAL

Escorreu goela afora a petulância
Daqueles que fecham Platão

Crispam os lábios e soltam
- Esse cara não me interessa

Seus olhos se esquivaram e pensei
Vou escrever um livro só de sacanagem

Lamentando pelos dançarinos prudentes
Que rodam sem vertigem

Ofertá-los algo como cobertas quentes
Velha carpideira para novos defuntos

O elã de um sentimento ardente
Mas nunca consigo parecer interessante

Sob pressão

 

Sobre isto, meu corpo não cansa

Contornando trilhos
Que nunca cicatrizam
Nessa eterna manobra

Se lhes torço
O cenho com ar zombeteiro
Suas lanças caem

Não mais desvio dos felinos retintos
Inquisidores
Ou desse Outro por quem vocês se passam

Escrevo como quem queda veredas
E desvencilha

Só minhas irmãs entenderão

Sabem-se condenadas
Ao exílio útero
Oco irascível

Em torno dessa fogueira
Ofertaram-me as mãos

E rodamos os passos interrompidos
De nossas ancestrais

 

*Alguns versos não se mantiveram como o original devido à limitação do wordpress.