7 de abril de 2016

O ESCRITOR DENTRO DO ESCRITOR

Você sabe quem foram (ou são) Mary Westmacott, Samuel Langohorne Clemens, Claire Morgan ou Richard Bachman? Sabe não? Pois eu te conto: pseudônimos literários usados por escritores famosos.

Historicamente, muitos escritores utilizam-se desse expediente para publicar livros. As razões são muitas, e completamente diferentes entre si.

Talvez a mais antiga delas seja a quase coerção social que fez muitas escritoras, desde priscos séculos, fazerem uso de nomes masculinos para ter seus livros publicados e se fazer ouvir. Um bom exemplo disso é a escritora Mary Ann Evans, que no século XIX publicava seus romances sob o pseudônimo de George Eliot. Embora fosse uma acadêmica respeitada em sua época, só dessa maneira Mary Evans poderia se fazer notar entre seus pares. Uma outra razão é que queria-se fazer uma distinção entre suas obras literárias e aquelas que as mulheres faziam à época: romances “cor-de-rosa”, água-com-açúcar. E conseguiu. Middlemarch, de George Eliot, é hoje considerado um dos clássicos imortais da literatura.

Outros, como Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido como Mark Twain, autor de clássicos imortais como As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de Huckleberry Finn, apenas queriam distanciar-se de seus próprios nomes, e assumir uma persona. É o caso, também, de Fernando Pessoa, que criou seus heterônimos Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, todos com personalidade e estilo diferentes entre si, e que escreviam seguindo esses preceitos.

Nem todo mundo, porém, fazia uso de pseudônimo para se distanciar de si mesmo. Patricia Highsmith, que escreveu livros tão famosos quanto O talentoso Ripley, publicou o romance O preço do sal (que virou o filme Carol e teve novas edições do livro relançadas com esse título) sob o pseudônimo de Claire Morgan. Motivo: o romance, autobiográfico, narra a história de duas mulheres apaixonadas. Como Patricia Highsmith não era uma escritora famosa então, talvez tenha optado por usar um nome falso para não misturar com a obra que estava querendo criar – ou era apenas o medo de ser futuramente rejeitada pelo público que almejava conquistar, e que efetivamente conquistaria ao longo de toda a sua carreira.

Há também os escritores considerados mais “literários” que gostam de adentrar outros gêneros, como John Banville, escritor britânico vencedor do prestigiado Man Booker Prize, e que publica romances policiais sob o pseudônimo de Benjamin Black. Muito bem sucedido em ambas as carreiras, Banville não pensa em abandonar o pseudônimo, como aparentemente o fez outro escritor muito elogiado pelos críticos, Julian Barnes, autor de O sentido de um fim, e que durante os anos 80 publicou romances policiais com um detetive bissexual sob o pseudônimo de Dan Kavanagh. Para estes, escrever sob pseudônimo os distancia de sua obra, já respeitada e difundida em um certo caminho que afastaria novos leitores: por serem gêneros tão díspares, quem lê um livro de John Banville, por exemplo, provavelmente não iria querer ler um livro de Benjamin Black – ou, pelo menos, é isso que pensam os editores. É algo que serve também para Mary Westmacott, mais conhecida como Agatha Christie, a escritora de romances policiais mais famosa de todos os tempos. Quando Agatha quis escrever romances românticos, teve que apelar para um pseudônimo, para não confundir seus leitores. Sob o nome de Mary Westmacott, Agatha publicou meia dúzia de livros que, claro, nunca chegaram a ter a fama de seus romances policiais.

Stephen King, Joyce Carol Oates e Nora Roberts entram, todos, num rol muito particular: escritores que escrevem muito. Em dado momento, publicando três romances por ano, Stephen King apresentou mais um para o seu editor, que disse: este aqui, só sob pseudônimo. Você vai encharcar demais o mercado, e seus leitores não conseguirão acompanhar suas publicações na velocidade que você as traz ao mundo. Resultado: criou-se Richard Bachman. Esse não foi o único motivo. King também queria se desafiar, escrever sem ter garantias de que iria vender bem; queria voltar a ganhar novos leitores pela qualidade do que escrevia, e não porque seu nome estava na capa. Só que pouco tempo depois, a estratégia foi descoberta – e hoje King publica tudo sob seu nome, exceto, muito de vez em quando, nos momentos em que o autor deseja publicar um romance que, segundo ele, está “mais dentro daquilo que Bachman escreveria”. Mas aí todo mundo já sabe quem é e o livro vende quase como se fosse um com o nome Stephen King na capa.

Nora Roberts, autora de livros que misturam romance e suspense e que vendem como pão francês, publica em média três livros sob seu próprio nome, e outros dois sob o pseudônimo J. D. Robb, numa série de livros policiais cujas histórias se passam no futuro. E que também estão, invariavelmente, nas listas de best-sellers.

Outra que seguramente pode entrar para esta lista é Joyce Carol Oates. A norte-americana, frequentemente  indicada ao Nobel de Literatura, também tem uma quedinha para livros mais... palatáveis, digamos assim. E é aí que ela também sai do nome que lhe foi dado na pia batismal para um nome inventado. No caso, o mais famoso dele, Rosamond Smith, foi usado durante décadas – mas, assim como Stephen King, tem uma reputação segura o suficiente para trazer à tona tudo o que escreve sob seu próprio nome.

Quando descobriram que Robert Galbraith era na verdade J. K. Rowling, famosa (e bilionária) por conta dos seus livros da saga Harry Potter, a autora deu uma entrevista, entre chateada (pra usar um eufemismo) e decepcionada (porque queria que seu pseudônimo tivesse durado mais, e não que fosse descoberto já nos primeiros meses depois que saiu o primeiro livro), dizendo que escrever sob pseudônimo era “libertador”. Ela não ia ter a pressão de escrever para ser escrutinada pelos críticos e pelos seus próprios leitores, especialmente depois que seu primeiro livro “para adultos” após o fim da série do bruxinho, foi considerado um fiasco (se não em vendas (que também não chegou a ser como nos tempos do Harry Potter), pelo menos em termo de estilo e de sedução da escrita), e a crítica não o poupou.

Certamente, um pseudônimo dá a um autor a liberdade para que ele escreva em estilos e gêneros que eles muitas vezes não escreveriam sob o nome já consolidado. É também uma oportunidade de atingir mais de um público. Ao usar o chamado “nom de plume”, o autor de ficção cria uma representação dentro de uma representação, ou seja: ao publicar obras, um autor faz uma espécie de performance para o mundo. É através daquela obra, agora tornada pública, que ele lança sua arte. O escritor que escreve sob pseudônimo faz isso duplamente: é um escritor que cria um outro escritor para que possa criar.

Para quem cria sem grilhões, isso deve, sim, representar a mais completa liberdade. Para aqueles que têm compromissos com a demanda, com a necessidade de atingir um público e dar resultados, pode ser também a mais abjeta prisão.

O certo é que pseudônimos serão sempre um recurso à mão para aqueles que, por uma razão ou outra, precisem de mais uma máscara para além daquelas que já precisam utilizar. O que às vezes pode ser bem conveniente.