4 de setembro de 2015

Quando eu li Hilda Hilst

Sempre pensei na Hilda Hilst como aquelas moças inquietas, respondonas, a palavra na ponta da língua. Sempre que a leio imagino-a sentada em mesas postas na calçada e sob a fina garoa paulistana, pelos idos dos anos 50. Hilda e sua vida boêmia, atazanando o juízo dos moçoilos avant garde.

Muito foi Hilda ao longo da vida, a filha única, a querida do pai, a filha única querida de um pai esquizofrênico. A Hilda que anos mais tarde foi confundida com a mãe e suscitou no pai uma tormenta de paixão aos gritos de “uma noite apenas, uma noite apenas”. E tu não te moves de ti, Hilda. A mesma que depois de tantos poemas publicados e prêmios recebidos, joga-se na sutileza das palavras gozosas, causando indignação e suores frios na tão pomposa horda conturbada de escritores sérios. E tu não te moves de ti, Hilda.

Quando li Hilda Hilst pela primeira vez fiz sem muitas cerimônias, era jovem, sem pressa pelo porvir (porque o porvir sempre vem mesmo), folheando o livro, quase como não querendo. Tirei da prateleira de livros da casa de um amigo, um livro fino, de capa branca, singelo e de título “Cantares do sem-nome e de partidas”. Folheei, li aqui e ali uma frase ou outra enquanto conversávamos coisas diversas, a vida, essa Fortaleza, os amigos, a festa de ontem, a festa de amanhã... Peguei emprestado o livro e o levei para ler com calma, respiração e gozo.

Foi fatal. No primeiro poema, Hilda me tomou pelo coração: “que este amor só me veja de partida”. E concordei que, de fato, só nos pode ver o amor de partida. De que outra forma é amor, senão de partida?. Indo, livre, “um perfil desabitado de carícias”. Eu sou essa mulher do trem, Hilda.

Depois fiquei adicta de Hilda, moça respondona, poeta de lamentos desesperançosos, de crianças sexualizadas, de obscenas senhoras, bufões, reizinhos gays, fadas lésbicas, desejos e homens do nosso tempo, tudo em quanto cabe numa existência de mulher. E tu continua Hilda, tu não te moves de ti.

Assim sendo, fui ajuntando tudo quanto era livro da Hilda Hilst para ir lendo aos poucos, misturando as paisagens, misturando as histórias, recriando-as cá comigo, remoendo a dor dela que passou a ser minha também. E fui bailando nessa dor e quando doía muito eu visitava Lorry Lamby e me ria alto, me ria de pensar em Hilda sentada na sua casa do sol falando como Lorry Lamby e lambendo sorvete na praia com o paizinho.

Ainda hoje guardo os livros, um juntinho do outro, pareados, como uma coleção de moedas de ouro, como fotos amarelecidas de um tempo ido, mas sobre os quais sempre me debruço para respirar. Quando o dia é difícil ou a noite é longa saltam de lá umas palavras de rútilas sutilezas como sabia ser Hilda Hilst e arrisco respirar uma vez mais ou rir uma vez mais porque eu sou pura fluidez perdida no tempo, mas tu, tu não te moves ti, Hilda.