7 de julho de 2015

Tarde - Leitura poética de "Golpe de 7 graus", de Matilde Campilho

É dos momentos mais tranquilos que muitas vezes surgem as coisas mais belas, é verdade, é clichê, mas é fato. De onde não se esperava saber de Matilde, eu soube. Um amigo que preza pela beleza da barba deixou quieto entre o batepapo que se desenrolava em grupo, num final de noite, o caminho entre letras embaralhadas a portuguesa que escondia-se no tempo.

Sem bater à porta, com sua voz suave, portuguesa, que encanta e embala qualquer coração, por mais frio que seja, foi que me cheguei até Matilde. De súbito, apaixonei-me, como tantos outros ao ouvirem sua voz, ao lerem sua letra.

Assim, antes dos fogos de artifício, foi que eu pude constatar que ainda há esperança, na verdade ela nunca deixou de existir, através dos poemas. A poesia, dirá qualquer um que saiba escutar, vive.

 
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Leitura do poema "Golpe de 7 graus", de Matilde Campilho, por Nathan Matos

Há aquele poema que fala de renas
e do filho gigantesco
que nos atravessa as cabeças geladas
Fala de uma astrolírica saudade
que levanta a nave até ao nome
Mas olha esse nome nem é meu
porque ao meu nome lhe falta uma letra
É um poema mais ou menos de exílio
mais ou menos não
Não sei se fala do amor por alguém
e isso não me importa nem um pouco
O amor desenhado à luz das flores velhas
não me interessa mais
Não agora, não depois disto
Esta manhã a persiana do meu quarto
partiu ao meio
não deu para ver o mar da varanda
Uma porta entreaberta
não deixa ver o real
Esta manhã não sei se existiram os melros
depenicando a relva do vizinho
Não sei se vieram os cavalos
para estrumar a terra úmida
de quase dezembro
Não sei se vieram as ruas
da cidade onde já morei
Sim as ruas estiveram neste quarto
isso é mais que certo
Mas eu não sei se vieram antes
ou depois do princípio da manhã
Hoje durante o sono
eu passeava na cidade sem renas
Passeava na avenida onde uma vez
um colibri se embrenhou em minha testa
na época pensei que era o sinal do amor
Fui a ver e não era sinal de nada
era só a simpatia do passarinho
e isso foi mais que suficiente
Hoje durante o sono
eu passeava na cidade
onde o filho até já pariu irmãoes
onde Carlos me ofereceu três papéis de Zbigniew
onde o cachorro andava meio adoentado
e onde precisei fazer de spiderman
para fugir ao feitiço da umbanda
Hoje durante o sono
eu me perdi nas sete estradas
ao volante de um opel Vectra
Mas rapidamente me achei
porque casa da gente a gente acha
Depois acordei
para o poema
Para o urro doloroso
da palavra Fidelidade
Para o contorno trêmulo
da letra que me falta
Para o país do azevinho
e da excitação coletiva
costurada a verde e a vermelho
Para o tom neutro do cansaço
que acontece principalmente aos domingos
quando a rena ainda não se transformou em cervo
Quando o bicho ainda não veio
comer das folhas de minhas mãos
Nem soprar seu bafo quente
para formar as folhas
que devem crescer-me nos pulmões
Acordei para o som do rádio
que não tocava triste nem fútil
não falava da morte nem dos carretos
Que só acertava os pontos
com o planeta
repetindo aquela frase
que sempre vem exatamente antes
da frase que diz
It’s lonely out in space.
Saudade, astrolírica saudade
teu nome perdeu o agá.

(in Jóquei. p. 106. Editora 34. 2015)