19 de maio de 2015

Quando eu li Fausto Wolff

Querido Fausto Wolff,

Primeiramente eu gostaria de lhe agradecer.

Em 2005, quando li pela primeira vez O Acrobata Pede Desculpas e Cai – um de seus livros mais geniais, em minha humilde opinião – eu vivia um momento difícil. Estava com 20 anos, e mais perdida que cachorro em dia de mudança.

Este livro caiu em minhas mãos como um machado afiado. Fui completamente arrebatada, esbofeteada, e, antes de terminar sua leitura, eu já sabia que a minha vida – pessoal, profissional, literária – se dividiria em antes d’O Acrobata e depois d’O Acrobata.

E foi assim que foi.

Gostei da maneira como você percebia o mundo de dentro do seu próprio mundo; porque você sabia que, para ver a ilha, é preciso sair da ilha.

Gostei do seu temperamento, e do olhar aguçado e cômico que lançava sobre o outro – inclusive o outro que está ali no espelho, te encarando. E por mais que reclamasse, Fausto, nunca houve ranço em suas palavras. Até mesmo por que, você entendeu como poucos que o humor traz seriedade para qualquer opinião. Por mais contraditório que isso possa parecer.

Por fim, eu gostei e sempre respeitei a sua postura enquanto ser humano. Quem você era por trás de sua obra.

Então, obrigada.

Em segundo lugar, querido Fausto, eu gostaria de mandar você tomar no seu cu. Sim. Porque, após ler os seus livros, uma realidade perturbadora descortinou-se bem na minha frente, revelando seus dentes de javali faminto. Mostrando que eu não estava perdida por que tinha 20 anos; eu estava perdida porque é assim que estamos todos nós. Desorientados e confusos, igual cachorro em dia de mudança.

Eu já imaginava que o mundo, e as pessoas, e todo este sistema insano sobre o qual nossa sociedade está alicerçada, era equivocado. Eu realmente desconfiava da estrutura social que começava a se estabelecer de modo contundente em minha vida, e não gostava nada, nada, NADA do que via.

Mas, no fim das contas, eu pensava que não. Que eu estava errada. Que havia sentido; que havia lógica. Que a sociedade não era tão cruel assim. Que eu não era tão cruel assim.

Isso acabou de vez quando li O Acrobata Pede Desculpas e Cai. Porque foi justamente por isso que o acrobata pediu desculpas antes de cair.

Por esta razão, quando me perguntam qual livro mudou a minha vida, eu cito este. Mas já vou logo prevenindo: para os mais românticos, recomendo cautela.

Então, depois de te agradecer e, posteriormente, te mandar tomar no cu, como você bem merece, encerro esta singela carta dizendo que, porra: você faz falta, cara!

Porque, sabe, vivemos um tempo esquisito por aqui, e isso naturalmente se reflete na literatura – que, aliás, anda comportadíssima. Você não ia gostar, Fausto. Existem tão poucos escritores putos da cara! Uma vez alguém me disse que louco é o sujeito que vive confortável em um mundo tão errado, e eu concordo. Como imagino que você também concordaria.

E tudo isso somente torna sua ausência ainda mais presente.

Por todos estes motivos eu te leio quando estou triste: para ver se aprendo a olhar para o problema com os mesmos olhos malandros e ferinos que os seus. E também te leio quando estou feliz e deslumbrada: para lembrar que o mundo não é um cupcake.

Você me ajudou a escolher o meu lado neste ring chamado vida. Neste ring chamado sociedade. Neste ring chamado literatura. E cada dia que passa eu tenho mais certeza de que escolhi o lado certo.

Valeu, velho lobo.

Você sempre será o mais foda.

OBS: se você nunca ouviu falar em Fausto Wolff, toma essa:

 

“Depois de tomar uns três ou quatro uísques e de dizer muitas besteiras, bate-me na cara a certeza de que não faço parte do clube, e nada tenho a ver com os homens fortes sentados à minha volta (...)

Eles – os outros – estão unidos num mesmo jogo social (...)

São homens fortes que se protegem. Homens fortes que acreditam que, se fizerem parte de algo grande e forte, também eles se tornarão grandes e fortes (...)

Eu não tenho nada a ver com esse jogo.

Mas eles só riem e dizem que sou um cara brilhante.

Enquanto isso ganham dinheiro e vão matando como me matam agora, enquanto sorriem vendo-me beber uísque. E eu, medroso, permaneço só”.

(Fausto Wolff, O Acrobata Pede Desculpas e Cai)

 

* Jana Lauxen tem 30 anos, é editora, produtora cultural e escritora, autora dos livros Uma Carta por Benjamin (2009) e O Túmulo do Ladrão (2013). Já publicou em mais de quinze coletâneas, e organizou nove, algumas em parceria com outros escritores. Atualmente trabalha na Editora Os Dez Melhores e é redatora na agência Teia de Marketing Literário Virtual.
Contato: osdezmelhores@gmail.com
Site: www.janalauxen.com