11 de abril de 2015

Quando eu li Julio Verne

Quando eu li Julio Verne pela primeira vez tive contato com a primeira aventura fantástica da minha vida. Não que eu não tivesse lido antes “O Pequeno Príncipe” ou tantos outros livros do gênero, mas Verne abriu para mim os portais que ligavam o misticismo à ciência, à ficção aos fatos, à imaginação e à razão.

Abaixo daquelas 20 mil léguas dentro do mar estavam escondidas maiores riquezas do que as que eu jamais haveria sonhado e não era como o Reino das Águas Claras de Monteiro Lobato, era um mundo possível (imaginado, mas possível!).

Um mundo de fantasia, mas baseado na ciência do submarino que ainda não existia, de fato, no século XIX, mas que já havia sido desenhado e construído séculos antes. Para se ter ideia, o submarino Nautilus, homônimo, já havia sido construído em 1798 pelo engenheiro americano Robert Fulton para o francês Napoleão Bonaparte, cerca de 70 anos antes de “Vinte mil léguas submarinas” ter sido publicado, mas ao contrário das primitivas formas de propulsão – uma à vela e outra à manivela helicoidal – que havia na embarcação do engenheiro americano, o submarino de Verne trouxe importantes inovações teóricas e técnicas que foram implementadas nos modelos previstos que foram usadas na primeira e segunda grandes guerras do século XX.

Julio Verne, nos seus textos, encantava a mim, um menino de 9 anos de idade, mostrando que a fantasia e a verdade se encaixavam perfeitamente na literatura. Aprendi a ser determinado e criativo com o Professor Lidenbrock, de “Viagem ao Centro da Terra”, que me ensinou com tanto afinco os métodos científicos utilizados para descriptografar mensagens estranhas com os seus caracteres rúnicos primitivos. Habilidade essa que desenvolvi com Edgar Alan Poe, em “O Escaravelho de Ouro”, e, mais tarde, com “Pântano de Sangue”, do brasileiro Pedro Bandeira. Esta vocação literariamente desenvolvida, deu-me a capacidade de decifrar o diário da minha prima Thalita quando eu tinha apenas 12 anos de idade conhecendo os segredos insculpidos num livrinho ininteligível crivado de corações, estrelas e triângulos.

Vi em “Cinco Semanas num Balão” a primeira descrição útil de o que quimicamente se convencionou depois a se chamar de hidrólise: a separação das moléculas de Hidrogênio (H2) das do Oxigênio (O2) através de uma carga elétrica que passava através da água (H2O).

Essa foi a forma que o doutor Fergusson encontrou para, repetidamente, aquecer o seu balão e assim ascender na atmosfera e logo após descender sem que, para isso, tivesse que se desfazer do gás do seu aeróstato ou do lastro que levava a bordo. O hidrogênio que ele obtinha assim era a fonte de energia que ele utilizava para acender o seu queimador exatamente como, atualmente, fazemos com os nossos propulsores de foguetes e automóveis híbridos, ainda em desenvolvimento.

Na época, sequer o gás Oxigênio era conhecido, mas ele descreveu o processo em minúcias e em termos de um aparelho pequeno o suficiente para caber no seu meio de transporte. Falta-me tempo e espaço para descrever os conflitos da Guerra Fria a que se anteciparam quase 100 anos pelos personagens de “Da Terra à Lua” entre tantas outras ficções do século XIX que se tornaram previsões do século XX e XXI.

Julio Verne, acredito eu, errou gravemente nas suas predições científicas apenas em “Paris do Século XX”, onde sua descrição em nada se aproximou do real. Porém, em todos os seus demais trabalhos acertou com precisão científica, ora mais, ora menos. Decerto ninguém espera ver uma briga entre animais gigantes, digno de enfrentarem os Power Rangers, no caminho em direção ao centro do planeta Terra, mas as fontes quentes, os minerais e todos os demais “segredos” que o autor vislumbrava estão lá em detalhes.

Certamente, Arne Saknussemm, como eu, desceu à cratera de Yocul do Sneffels, que à sombra do Scartaris vem acariciar antes das calendas de julho para chegar ao ENIGMÁTICO CENTRO DA TERRA.

Assim também o criado Passepartout esteve junto a mim EMBRENHADO até os joelhos NOS CONFINS DA FLORESTA AFRICANA.

Da mesma forma o Capitão Nemo, comigo, conseguiu NO MAIS PROFUNDO DO OCEANO construir sociedade mais perfeita que aquela experimentada em Londres no século XIX.

Mas Julio Verne, que nem sequer é personagem, conseguiu alcançar ainda MAIS PROFUNDO OS MISTÉRIOS QUE REPOUSAVAM INERTES NO CORAÇÃO de um menino de apenas 9 anos de idade que se tornou, como ele, leitor assíduo, escritor apaixonado e cientista pragmático apenas 20 anos após o início destes acontecimentos.

Vejo, agora, meu filho, com também 9 anos de idade, apaixonar-se pela ciência dos seus livros com o mesmo brilho nos olhos que eu tinha, então, e começo a aceitar que Julio Verne foi um profeta tal que nenhum ateu, sequer, pode deixar de crer no que diz(ia).