6 de abril de 2015

A poesia de Otávio Campos

Nova Iorque

nova iorque está aberta como uma cratera
estamos sós você me pergunta o brooklyn
é mesmo do outro lado? o movimento de dois
corpos no espaço é tão raso até a colisão
você me pergunta quantas vezes deveríamos
nos cruzar para explodir a ilha de manhattan
a ideia de duas casas no espaço é tão absurda
como encontrar um rosto conhecido
na 5th avenue
encontrar uma resposta para quantas cores
você prefere e quais as estações do ano
prefiro ainda mil vezes te ler dentro de casa
prefiro mais de mil vezes o central park a te
ultrapassar de carro na times square:
como se toda a cidade fosse um apartamento de
janelas azuis viradas para dentro do prédio
que já foi da sua avó
que um dia ainda terá seu nome

welcome, my son, got
your bible, got your gun,
turn this fucking shit on (and go crazy)

antes mesmo de pensarmos em nova iorque
naquela cadeira e na sala sem mobília
quando a vida ia bem quando ninguém havia
ido embora
manhattan um pedaço de papel nos domingos
os jogos de tabuleiro
até o dia em que você disse aquela palavra

e tudo que veio depois disso.

 

East Hampton

Por isso o velho deixou a cortina um antebraço
aberta na esquerda - na direita do lado de lá
nem um pedaço a rua entra; provavelmente você
vai estar remoendo as provas inventando culpas
atirando                   dardos

você deveria amarrar mais forte; provavelmente
eu penso: você deveria segurar com força você
se lembra da primeira vez que brincamos
com os corpos que ocupavam a calçada você
se lembra da primeira vez que medimos a temperatura
de uma superfície pouco antes de explodir

inventamos idades, contamos os dedos, teme de
repente fechar os olhos e não serem mais cinco
nós que crescemos sem olhar o fora
nós que sabemos da queda
do salto
do susto
você
se lembra quando era 1992 e os ruídos desconhecidos
e as descobertas dos astrólogos e os carros, então
quando inventamos os nomes das coisas
quando esquecemos os nomes das coisas

e se você deixasse                      de respirar
e se você gritasse                       você
se lembra quando prendíamos a respiração até tudo
de repente ficar azul e roxo e bege e depois
se lembra das cores dos carros e das luzes você
se lembra do gosto que ficava quando elas apagavam

mas isto não é um postal se lembra
quando recebemos a notícia do primeiro incêndio
quando nos mudamos cada um para a cidade da mesma
letra com latitudes invertidas e o acidente: você
conhece todo mundo que mora na frente da sua casa
você frequenta os vizinhos que ficam voltando você
se lembra da primeira vez que voltou
o espanto
                                                                              SHE
sat at the window watching the evening
                   invadindo a avenida: e se você gritasse
sisibilos, malabares, upa-gluba, costeleta
se você fosse duro
se você fosse outro
se você fosse um carro
você escolhe uma cor
você me chama pelo nome
você inventa meu nome, parecido com o som de uma andorinha,
um marujo, as bandeiras no mastro o tamanho do mar

você acredita em incêndios
você ainda escuta acidente
você deve estar morto numa banheira em East Hampton às
quatro da tarde de um quarta-feira, quando seu número por-
pura coincidência me discar
vamos viver uma coisa mais tranquila
então as cartas,
o salto,
o susto,
você
Fenda

visitamos cidades destruídas
asilos abandonados nos quintais
teu rosto uma fenda – por enquanto
desistimos de ser tristes

você acredita não existe outra palavra
mais bonita que triste
enquanto isto é uma fotografia,
um postal de Budapeste e suas
cinco mil luzes azuis – será
que ele te encontra hoje em casa:

uma cidade que te povoa na infância
algures teu nome nalguma porta
quem te disse um dia para sair com as chaves
e as coisas que despencam – por enquanto

isto é uma queda
isto é uma seta

quando eu falo em seta você pensa
em seta ou em flecha
você pensa em uma seta como uma
flecha

você pensa em uma flecha como um
desastre

estar de pé tem sido uma aventura,
uma escavação ou uma tragédia
arrancar aos peixes nem tanto,

na data o postal um ano escondido
teu nome algures: você ouve barulhos
das pedras que descem murmúrios
mas isto é um acidente

uma flecha que atravessa o poema
escuta como ele pulsa devagar

discutimos sobre precipícios
os fados que me ensinaram
de não tornar ao chão – por enquanto
isto é um aviso,

a porta que ainda não caiu
a última casa que resiste irônica
os azulejos que invertem
a ordem do mito.

 

Otávio Campos é mestrando em Estudos Literários pela UFJF e editor da Um Conto – Revista de Literatura. Publicou o livro Distância (Aquela Editora, 2013) e a plaquete Amanhã tomo um vôo a Budapeste (Edições Macondo, 2014).