9 de março de 2015

Quando eu li Paulo Coelho

Quando eu li Paulo Coelho, pela primeira vez, acho que acabei me encantando, essa é que é a verdade. Nunca havia sido de ler livros de literatura, nem na escola, nem forçadamente. Eu lia, simplesmente, porque havia de ler para preencher as perguntas “dificílimas” de interpretação de texto feitas pelos professores, da mesma maneira que eu lia os livros de biologia ou história. Nada nunca me atingira de maneira eficaz ou sensitiva.

Bem da verdade, é que não sei muito bem se o primeiro livro que li foi realmente de uma história ou de aforismos. Lembro que na cidade onde eu morava, em Iguatu, interior do Ceará, a mãe de um amigo resolvera abrir uma livraria com mais opções, porque a cidade medrava ter bons livros. Na época, ainda não tínhamos esse fácil acesso das lojas virtuais.

Mas eu lembro de um livro pequenino, meio retangular, intitulado Frases, que acabou me ganhando. Fiz minha mãe comprar o livro e chegando em casa o li. Algumas coisas chamaram a minha atenção e, se a minha memória tresvariada não me deixar falhar, talvez tenha sido o primeiro livro que li com certo entusiasmo. Depois, vieram alguns outros, que hoje em dia são tidos como clássicos, como Tio Robinson, de Júlio Verne, que é um dos poucos que lembro ter lido desmesuradamente querendo saber o que iria acontecer.

E o Paulo Coelho, depois de alguns anos, voltou, a adolescência me fez ser presenteado com um livro que trazia fábulas, eu acho, e que se chamava Histórias para pais, filhos e netos. Foi um outro livro que li com prazer. Acho que lia uma ou duas histórias por dia, antes de dormir, sem querer que o livro terminasse. Mas, ao fim da leitura, ficou na estante, por vários anos, pois achava o livro lindo, talvez tenha sido também a primeira vez em que percebi o livro como um objeto de arte.

Nesse meio tempo, entre as primeiras leituras e a vivência da vida, lembro que comprava discos numa loja em frente a uma agência bancária, que vendia livros também, e fiquei fascinado com um livro chamado O diabo, a máscara sem rosto, e foi aí que tive o meu primeiro contato também com a escultura e arquitetura, pois o livro, acredito, faz algumas análises e estudos sobre diversas obras de arte ao redor do mundo sempre objetivando essa questão do diabo e de deus ou de anjos. Lembro que uma estátua em específico me chamou a atenção porque de dia, com a luz do sol, era projetado um rosto angelical na parede, mas à noite, era um rosto maléfico que se impunha. Isso acabou marcando um pouco a minha formação como leitor.

E, assim, fui entrando na literatura, sem saber que estava me interessando por ela. Talvez ela teimasse em tentar me mostrar o caminho das pedras, mas eu não consegui enxergar durante um bom tempo. Até que alguns anos à frente, morando na casa de uns tios, me deparei com algumas estantes que ficavam esquecidas no escritório que tinham em um dos cômodos. Eu não possuía computador nessa época, computador era uma coisa cara e eu não tinha mais acesso à internet da mesma maneira como antes. Tendo que sair da casa de minha mãe para estudar na capital, eu acabei que fiquei sem saber o que fazer para passar o tempo, já que não tinha muita vontade de ficar a fazer cálculos matemáticos-físicos-químicos.

Foi, então, que Na margem do Rio Piedra eu sentei e chorei. E acho que realmente chorei. Até que depois li também Veronika Decide Morrer, depois Brida, depois As valkírias, depois Monte cinco, e fui percebendo que aqueles textos, que antes tocavam um pouco a minha solidão, começaram a ficar enfadonhos, melancólicos, mesmo tendo até começado a estudar um pouco de magia, lembro que um amigo me emprestou um livro sobre Magia branca, vejam só do que a literatura é capaz de fazer.

Mas a desistência de ler Paulo Coelho aconteceu quando ele lançou O demônio e a Srta. Prym, não sei se o comprei ou ganhei, a verdade é que eu não consegui mais passar das primeiras páginas e dali em diante não li mais nada. Abandonei a literatura e o Paulo Coelho. A escrita dele não me agradava mais, não chamava a atenção. Comecei a achar, diga-se de passagem, uma escrita chata, modorrenta e sem graça. O interessante em tudo isso é que eu não o via como um escritor menor como muitos hoje o tem, como eu o cheguei a ver e como, talvez, na época era visto. Pra mim, Paulo Coelho era apenas um autor conhecido e que conseguia fazer o que poucos escritores conseguiam, tocar as pessoas, fazer com que elas lessem seus livros e, talvez, entendessem um pouco mais de si mesmas. Mas a verdade é que eu demorei pra entender isso. E quanto tempo se passou para eu repensar isso...

Durante anos, depois que Conan Doyle realmente me despertou para a literatura, pois ele é o meu marco, e apreender vários outros tipos de textos, percebi que Paulo Coelho não cabia mais na minha estante, e que deveria me juntar ao coro dos "grandes" escritores e pessoas que julgavam Paulo Coelho como um escritor menor. Sim, era isso que eu deveria fazer, eu deveria cuspir no prato que eu comi, pois depois de ter lido Graciliano Ramos, Rosa e Dostoievski, Paulo Coelho não passava de um escritor barato que escrevia para vender e ganhar dinheiro, seria ele um ‘safado’ e um ‘ridículo’ por fazer isso. Nunca que ele teria sua importância frente aos outros escritores brasileiros que amo. Jamais!

Como é mesmo aquela frase? "Ledo engano!". Como eu disse, só depois de muito tempo fui perceber que eu estava errado. Errado porque eu não entendia o que era uma formação em leitura. Talvez nem entenda ou consiga explicar qual a importância real disso para qualquer pessoa. E vejo, hoje em dia, também, que muitas pessoas continuam fazendo o que fiz, taxando não apenas o escritor, mas os leitores. Bem da verdade é que Paulo Coelho continua sem me aprazer, continua a falar algumas coisas que não são palatáveis e talvez inteligíveis, mas, ao mesmo tempo, eu tenho que ser sincero comigo mesmo e dizer a qualquer um que se inicia na leitura de um texto literário, principalmente se tiver uma obra de Paulo Coelho em mãos, que ele, "o mago",  teve sua importância em minha formação leitora. Talvez, eu disse talvez, eu não tivesse encontrado outros escritores que hoje me aprazem sem ter lido Paulo Coelho. Talvez aquelas frases possam ter plantado algo em mim e que apenas muitos anos depois eu tenha percebido o tempo que perdi sem conhecer a literatura que hoje me dá prazer, pois é isso que acho que todo leitor deve buscar num primeiro momento, prazer em ler. Só assim, talvez, ele entenda que o prazer pode ser um caminho fácil para o conhecimento. Julgar Paulo Coelho, hoje em dia, de maneira aleatória, como já vi alguns acadêmicos e escritores renomados ou pessoas desconhecidas fazendo, é não ter entendido ainda a importância de todo e qualquer autor na formação de um leitor.

Hoje em dia, eu não leio mais Paulo Coelho, mas não julgo quem lê. Fico na espera de que essa pessoa possa sentir o que senti, e que venha a deixar o livro de lado e buscar novos horizontes. Mas se ela preferir continuar lendo Paulo Coelho, que seja. Melhor é deitar na rede, beber água de coco e ler um livro que eu queira ao invés de ficar tentando convencer outros de lerem o que leio. É possível que ali, na leitura que ela escolheu pra si, acabe encontrando algo que lhe satisfaça, e isso é que é o importante. A leitura não deve ser um medidor de inteligências ou um criador de preconceitos, pois é nisso que ela vem se transformando, devido a comentários nossos que não cabem mais. A leitura deve ser para todos, ou devemos guardar nossos livros que nos aprezem para que os outros não nos julguem de "leitores menores"? Devemos fingir que não lemos determinados autores? Devemos sempre estar mostrando que somos “intelectuais” e que lemos coisas difíceis que com certeza irão nos dar um crescimento intelectual que nem todo mundo possui? Qual nada, a literatura é um “redemunho” e ela pode envolver cada um de nós de uma maneira singular. Todo leitor tem sua identidade e suas leituras podem dizer muito sobre si, mas uma coisa que não podem me dizer, por exemplo, é que me tornei um leitor pior quando eu li Paulo Coelho.