21 de outubro de 2014

A poesia de Stefanni Marion

inventário

obstruo
os dias a dedicar-me
num auspicioso levantamento.

discos da kate nash
cadarços coloridos
bonsai de árvore da felicidade

caixas de chás marroquinos
selfies no espelho do elevador
seu telefone no ímã de geladeira.

você já não me surpreende
como quando me embebedava
com suas vodcas coloridas.

inescrupuloso vômito
instabilidade ininterrupta
indecisões imprecisas.

colocarei tudo em caixas,
é tempo de despedidas.
baby, eu não permitirei

que você volte.

pombas eletrocutadas

respiros são lares,
ardências amoniacais.
na pleura veemente e lilás,
sinto cheiro podre de morte.

há uma janela, dela vejo
pombas mortas pombas
eletrocutadas pombas
eletrocutadas, mortas
pelo fio desencapado
do poste na rua de baixo.

são tantos corpos
endurecidos em desalinho,
elas apodrecem na via
um esquadrão de micróbios
invadindo as lentas horas.

elas agora dormem
não sentem fome
não sentem dor
não sabem do risco.

nos dias que ficam
tudo é farelo, desalento.

blue boy

todos os vincos dos lençóis
mandei para a lavanderia.
meu olhar é blues agora
minhas costelas um subúrbio
ensandecido no breu da noite.

algumas pessoas são melhores
no abstrato, fora dele
são sem cor.

minha mão é canção
tudo que eu toco
se torna obsceno, mas
a dor foi o destino final.

algumas pessoas são melhores
nas estampas, fora delas
são minimalistas.

sweetie, não sonhe e volte
a tocar minha campainha
você me deixou enfurecido
não me faça rasgar sua goela
com meus dentes lascivos.

ancoradouro

é uma luz que acena
um braço distante
do outro lado da baía.

o amor da minha vida cultiva silêncios
enfeita o jardim, planeja festas e não as realiza.

tem uma cobiçosa cartola feita à mão
e uns tantos dramas e desejos guardados
em pequenas caixas de algodões envelhecidos.

não sabe ser prático
quando me visita usa máscaras
e nem sempre o reconheço.

um dia
o afeto chegou ao ancoradouro,
seduzido, de súbito mergulhou entre meus dedos.

por Stefanni Marion

Stefanni Marion é autor dos livros Temporário (Patuá, 2012) e Inventário (Patuá, 2014). Participou de antologias, teve poema em italiano musicado e poemas em catalão publicados na Espanha. No projeto Arte na Balada, expôs seus escritos com batom vermelho nos vidros do banheiro de uma casa noturna paulistana. É um dos organizadores e editores da antologia É que os Hussardos Chegam Hoje (Patuá, 2014), entre diversos outros pormenores planetários do universo literário.