19 de agosto de 2014

2 poemas de Devair Antonio Fiorotti

Meu ódio é de ter sido gente, quando poderia ter sido animal

De ter sido homem, em tempos de animal
Meu ódio é de ter amado pouco, quando poderia ter amado mais
De ter sido tão certo, em tempos de amores carnais

Meu ódio é de ter sido pasto, quando poderia ter sido flor
De ter sido merda, quando poderia desabrochar
De ter sido água que não corre pro mar
Que morre logo ali, em lago minguado

Meu ódio é de ter sido eu, quando poderia ter sido mil
De ter sido mil outros menos covardes nessa vida sem sal
De não ter sido sal que salga
De não ter sido sal do mar
Mas sal sem graça de lágrimas de dor
De ter falado aos homens, como quem acaricia uma flor

Meu ódio é de ser eu, quando na madrugada ainda não canta o sabiá
Deveria morrer antes, todos os dias
Pois é humilhante ter um cantar tão fraco,
Meu Deus, em tempos de tanto desamor

*

Se soubesses de todas as angústias que trago no peito,
Não zombarias de meu sorriso torto
De meu olhar atravessado
De meu andar pesado
De minhas rugas na fronte
No andar, no olhar, no sorriso

Se soubesses do zumbido do marimbondo
Que fura o céu e deixa vazar os espíritos maus
E de toda perseguição nas noites de calor
Que autoriza a caça aos monstros
Me guiarias por caminhos menos espinhosos
Deixaria minhas sementes caírem em terra mais fértil
Longe de tantos pedregulhos e ervas-daninha

Se soubesses da prisão que habito há séculos
Me aqueceria com palavras
Me traria uma cama mais macia
Mas durmo sobre cacos de vidro
E meu sangue alimenta o Urubu Rei
Que com suas duas cabeças tudo assiste
Impassível, sobre o Piri Piri

Mas não, me abandonastes
E sobre sua morte plantei margaridas
E o resto de todas as esperanças