1 de agosto de 2014

Perfil Poesia Brasileira Carlos Drummond de Andrade: “oitenta por cento de ferro na alma”.

"Amar o perdido deixa confundido este coração"

Em confidência do itabirano , o poeta Carlos Drummond de Andrade afirma logo nos primeiros versos: “alguns anos vivi em Itabira/ Principalmente nasci em Itabira”. Na cidade mineira, no ano de 1902, sob signo de Escorpião no exato dia de 31 de outubro, nasce o pequeno Carlos que foi ser “gauche na vida”. Assim foi durante os 84 anos em que viveu sobre a terra, vindo a falecer na fatídica data de 17 de agosto do ano de 1987, na cidade do Rio de Janeiro.

Não seria necessário traçar uma biografia da vida do poeta, ou se o fizéssemos seria com bem menos glamour e beleza da que ele mesmo traçou através dos seus poemas, de modo que a infância, a família, Minas, os amigos, os acontecimentos corriqueiros e profundos da vida, serão grandes motivos da poesia drummondiana. Escreve ele flagrando sua Infância:

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé,

comprida história que não acaba mais.

É dentro desse cenário bucólico e campestre que a primeira infância do poeta é vivida, o destaque na poesia para o livro do Robson Crusoé, é do menino que queria descobri e explorar o mundo muito além do seu quintal, essa viagem para além da geográfica vai acontecer principalmente no mundo da leitura. Drummond possuía uma gama de referências literárias, lia Petrarca, Camões, lia e respondia assiduamente os novos escritores brasileiros que lhe submetiam obras para apreciação, na infância lia principalmente a coleção de clássicos para juventudes, livros recheados de título com aventuras fantásticas como as viagens de Gulliver, Ivanhoé, entres outros muitos títulos.

Outro aspecto bem marcante na vida e na poesia de Drummond é a relação com sua família, uma família tradicional fazendeira de bons recursos. Seu pai, desejando ter um doutor na família investe bastante na educação do Filho, fazendo-o estudar em Belo Horizonte e depois o formando-o Farmacêutico.

Porém as veredas da vida levariam Carlos para outro destino, junto com alguns amigos escritores funda um periódico, A Revista, responsável na divulgação do modernismo em Minas Gerais e do modernismos mineiro. Em 1930 vai lançar o seu primeiro livro alguma poesia, produzindo em sequência muitos outros, além de poemas, crônicas, contos e livros infantis. Viveu a maior parte de sua carreira profissional exercendo cargos no funcionalismo público, trabalho com o ministro da educação Gustavo Capanema, tanto que certo vez , o poeta Manuel Bandeira foi pedir-lhe um emprego no ministério, pedido que não pode ser atendido.

A obra de Carlos Drummond de Andrade é imensa, não só em tamanho, é imensa pelo alcance e profundidade que conseguiram atingir. Drummond foi um poeta Modernista que sempre acreditou que para se escrever poesia era preciso muito mais que inspiração momentânea, ele encarava a arte do poema um labor de mais alta complexidade que necessitava de grande estudo e dedicação, obtida principalmente através da leitura e da observação da vida.

Rondam a poesia do Drummond temas diversos, o poeta escreveu bem e de muitas formas, desde curtos poemas a verdadeiras histórias em versos, estamos só citando sua obra poética sem falar dos outros gêneros que escreveu. A metapoesia, a ironia, o desdém ao mundo, a família, Itabira, Minas Gerais, o mundo, a desesperança no mundo, a esperança no mundo, são alguns dos temas mais recorrentes na poesia drummondiana. A bibliografia extensa possui obras metafísicas, políticas, memorialista,  lírica, humorística, até um livro de aforismos e um com excelentes poemas eróticos.

Estivemos em Itabira, MG e pudemos conferir o Pico do Amor, onde foi construído pelo amigo do poeta e arquiteto Oscar Niemayer um lindo memorial, local se avista a cidade quase completamente. Acessamos alguns títulos da biblioteca particular de Drummond, composto por nomes que ele ajudou a lançar na literatura brasileira, tais como Adélia Prado e Cora Coralina. Visitamos a Fazendo da Família do Drummond e o casarão no centro da cidade que possuí um jardim planejado pelo irmão do poeta, José. Contudo, o melhor foi ler várias placas de ferros gravadas com poemas do autor e espalhadas por toda cidade.

No nosso Perfil de hoje selecionamos alguns poemas, algumas leituras que pessoas famosas fizeram de poemas de Drummond para um projeto do Instituto Moreira Sales e uma das raras entrevistas concedidas. Aprecie!

 

Fernanda Torres recita Necrológio dos desiludidos do amor

Perfil Poesia Brasileira Carlos Drummond de Andrade: “oitenta por cento de ferro na alma”.

Memória

Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão.

Mas as coisas findas,

muito mais que lindas,

essas ficarão

 

Leda Nagle entrevista Drummond

 

Os homens: As viagens.

 

O homem bicho da terra tão pequeno

Chateia-se na terra

Lugar de muita miséria e pouca diversão,

Faz um foguete, uma cápsula, um módulo

Toca para a lua

Desce cauteloso na lua

Pisa na lua

Planta bandeirola na lua

Experimenta a lua

Coloniza a lua

Civiliza a lua

Humaniza a lua.

Lua humanizada: tão igual à terra.

O homem chateia-se na lua.

Vamos para marte - ordena a suas máquinas.

Elas obedecem, o homem desce em marte

Pisa em marte

Experimenta

Coloniza

Civiliza

Humaniza marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.

Vamos a outra parte?

Claro - diz o engenho

Sofisticado e dócil.

Vamos a vênus.

O homem põe o pé em vênus,

Vê o visto - é isto?

Idem

Idem

Idem.

O homem funde a cuca se não for a júpiter

Proclamar justiça junto com injustiça

Repetir a fossa

Repetir o inquieto

Repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.

O espaço todo vira terra-a-terra.

O homem chega ao sol ou dá uma volta

Só para tever?

Não-vê que ele inventa

Roupa insiderável de viver no sol.

Põe o pé e:

Mas que chato é o sol, falso touro

Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora

Do solar a col-

Onizar.

Ao acabarem todos

Só resta ao homem

(estará equipado?)

A dificílima dangerosíssima viagem

De si a si mesmo:

Pôr o pé no chão

Do seu coração

Experimentar

Colonizar

Civilizar

Humanizar

O homem

Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

A perene, insuspeitada alegria

De con-viver


 

Science Fiction

 

O marciano encontrou-me na rua

e teve medo de minha impossibilidade humana

Como pode existir, pensou consigo, um ser

que no existir põe tamanha anulação de existência?

Afastou-se o marciano, e persegui-o.

Precisava dele como testemunho.

Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se

no ar constelado de problemas.

E fiquei só em mim, de mim ausente.

 

Caetano interpreta Elegia 1938

 

A Palavra Minas

 

Minas não é palavra montanhosa

É palavra abissal

Minas é dentro e fundo

As montanhas escondem o que é Minas.

No alto mais celeste, subterrânea,

é galeria vertical varando o ferro

para chegar ninguém sabe onde.

Ninguém sabe Minas. A pedra

o buriti

a carranca

o nevoeiro

o raio

selam a verdade primeira,

sepultada em eras geológicas de sonho.

Só mineiros sabem.

E não dizem nem a si mesmos o

irrevelável segredo

chamado Minas.


Drica Moraes recita O amor bate na aorta

Família

 

Três meninos e duas meninas,

sendo uma ainda de colo.

A cozinheira preta, a copeira mulata,

o papagaio, o gato, o cachorro,

as galinhas gordas no palmo de horta

e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,

o cigarro, o trabalho, a reza,

a goiabada na sobremesa de domingo,

o palito nos dentes contentes,

o gramofone rouco toda a noite

e a mulher que trata de tudo.

 

O agiota, o leiteiro, o turco,

o médico uma vez por mês,

o bilhete todas as semanas

branco! mas a esperança sempre verde.

A mulher que trata de tudo

e a felicidade.