15 de julho de 2014

4 poemas de Anderson Lucarezi

sequer o céu é sincero:

a estrela que cintila
não é a estrela que cintila,
por visto que, na real,
imagem antiga.

o escuro que anoitece
não é o escuro que anoitece,
por visto que, de onde vem,
já se fez brilho.

iria, eu, de volta,
fosse aceito,
a um céu do presente
em que uma estrela extrapolasse
ser mera brasa enganosa:
talvez, quem dera, farol
(posto que agora é lanterna traseira)
de um carro-tempo mais-que-perfeito.

*

olhos ao céu do fim de tarde,
preso no trânsito da metrópole,
vária, a primeira estrela que vejo,
(alguém – talvez também cansado do despertador –
me olhará de algum planeta à sua órbita?)

do sumo do próprio nome daquilo que vejo
(o constelário de signos apátridas é minha língua)
germina isso que se aventura além do filtro,
furando as nuvens, rompendo o púrpura
numa beleza que esse idioma não dá conta,
que só a raiz possibilita: desiderium.

*

peixes inertes à lâmina d’água,
palafitas à vista sob cheiro intratável,
o da consciência das cidades:
o rio Tietê, o Yangtze, o Reno,
o Newtown, o Ganges, o Congo,
também o Marilao e o Citarum:
artérias à espera de angioplastia,
à espera, como os cabelos verdes,
arrancados pelo gado, pela soja,
pelo contrabando de troncos,
pelo projeto progressista, que,
no pecado Capital da gula de Gargântua,
diz não poder parar:
dita flor que, se for, só se do Jardim Gramacho,
no que aviões furam a cúpula de nuvens,
calota poluída sob a qual,
ruído,
gases de automóveis ascendem,
paradigma para os graus centígrados:
escalpelado de seus polos, o planeta,
nave abafada, a nos cobrar o óbulo.

*

sextante e astrolábio à mão,
os navegantes das caravelas
na intenção das terras distantes,
indicadas pelo céu estrelado:
toda uma geometria,
compassos e esquadros,
a abóbada celeste dividida,
esquadrias e quadrantes
pra firmar a confiança
no oceano oscilante.

olha! – dizem – terra à vista!
semear açúcar, algodão,
(este lugar ainda vai se tornar
um imenso canavial!
um imenso algodoal!)
extrair minérios,
construir impérios,
ano após ano,
erigir a civilização,
cujo intento maior: lucrar.

das nações surgidas por cá,
uma, que fez a América
em cima das guerras,
pensou: por que não alcançar
aqueles pontos cintilantes,
que antes serviam de guia
aos argonautas?
se fez, a partir de então,
do Cabo Canaveral
trampolim pro espaço sideral.

satélites,elites me espreitam,
será que já parcelam a passagem
(vinte milhões de dólares)
pra subir a seiscentos quilômetros,
orbitar na estação internacional,
inaugurar um nicho de mercado,
acenar pra rede social
e, se der, trazer como souvenir
um cinturão de asteróides
pra noiva da vez, trinta anos mais jovem?

o canto humano (anglo-saxônico)
já está across the universe,
mas há sons vindo de outras galáxias,
sons orquestrados, música!
serão companheiros de incógnita?
ou apenas o ruído de fundo
(fruído por ouvidos cruéis,
tal criança frente formigas em marcha)
de uma caixa de música
da qual a Terra é mero strass?

Autor do livro de poemas Réquiem, Anderson Lucarezi nasceu em São Paulo em 1987. Passou 14 anos sob educação religiosa que desembocou na descrença. Em 2007, ingressou na Universidade de São Paulo, onde está terminando a graduação em Letras. Trabalha como professor de Ensino Médio e como pesquisador na área de literatura. Interessa-se, também, por tradução, principalmente de poesia norte-americana. Tem alguns poemas publicados na antologia do III Festival de Literatura da Letras / USP. Lança, agora, Réquiem, livro que contém textos datados do período entre 2006 e 2012 e que, em sua primeira versão, foi vencedor, na categoria texto, do Projeto Nascente USP 2011.