4 de julho de 2014

Perfil Poesia Brasileira, Manuel Bandeira: "O que tu chamas tua paixão, é tão-somente curiosidade."

"O amor, um pobre gozo... Hás de amar e sofrer incompreendido"
Manuel Bandeira

O habitante de Pasárgada, Manuel Bandeira, nasceu no fim do século XIX, dia 19 de abril de 1886, descobre com dezoito anos que está doente do pulmão, em uma época que ter a tísica é estar desenganado, porém só vai partir do mundo dos homens no ano de 1968, com oitenta e dois anos de idade ao dia 13 de outubro.

Uma vida entre letras, viagens, solidão, cartas, músicas, Bandeira tornou-se um dos principais poetas da literatura brasileira. Ousou, passeou entre o Simbolismo e o Modernismo, escreveu versos de circunstância, foi um grande cronista, flertou com a música escrevendo alguns poemas especialmente para serem musicados. Teve uma vida de grande produção poética e acadêmica, pensou a poesia, escreveu poesia, pautou sua existência na literatura. Foi um homem solitário, nunca chegou a se casar, nem teve filhos.

Ao mesmo tempo que um observador desatento possa considerar a vida do Poeta um cinza sem graça, um desencanto, não parecia ser assim que Manuel enfrentava-na, ele demonstrava grande resignação com sua situação, contudo soube desenvolver um cinismo e uma ironia atroz para falar sobre as coisas do mundo e do homem.

O documentário O poeta do Castelo, que durante muitos anos foi de difícil acesso para o público, mostra um pouco o cotidiano do poeta, registrado nas lentes do grande cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade no ano de 1959. Hoje, disponível no youtube.

O Bandeira reservado, cotidiano, banal, é o Bandeira que se releva nos versos de amor que ele escreveu, o amor em Bandeira quase nunca é lírico, quase sempre Carnal, “os corpos se entendem, mas as almas não”, nos poemas do Bandeira a experiência de amar é volúvel, é cínica, passageira, mesmo assim não deixa de ser válida e real.

Os poemas escolhidos para compor esse perfil são um pequeno exemplo dessa poesia que toma o amor mais como uma experiência da carne do que do espírito, um amor irônico e cínico, prático e cotidiano. Não impossível, porém mais humano do que divino, assim suas características são mais parecidas com as nossas do que com as das divindades. Carlos Drummond de Andrade, amigo de Manuel Bandeira, disse em um poema“ o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija”, aproximando-se da visão do recifense, um amor imprevisível e suscetível às vontades.

No Poemeto Irônico ela destaca toda essa volubilidade, ligado mais à carne do que ao espírito, não platônico, como comumente é apresentado na prosa e na poesia, essa visão se confirma no seu A arte de amar, um verdadeiro tratado sobre o amor visto na perspectiva da carne. Se o amor é carne, então ao contrário da visão romântica ele está destinado ao fim, ele vai sucumbir, mesmo que algo fique “suspenso no ar”. Em Vigília de Hero, esse fim na voz do Eu-Lírico feminino está recheado da esperança de que algo sobreviva nos escombros da memória, já em Adeus, amor o Eu-lírico masculino não se mostra tão esperançoso, sim sarcástico, sobre os resíduo do amor.

Encerrando nossa seleção de poemas, o Rondó do Capitão, com a versão musicada do Grupo Secos & Molhados, a esperança cruel de que o amor seja mais do que a Carne, assim o Rondó é uma súplica de livrai-nos do mal da esperança. Afinal, como disse Stendhal em seu livro Do amor, “Basta um grão muito pequeno de esperança para que nasça o amor”.

POEMETO IRÔNICO
O que tu chamas tua paixão,
É tão somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele.
Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos seus tecidos.
Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios...
Tu te perguntas, curioso, quais
Serão seus gestos, balbuciamento,
Quando descerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento...
E acima disso, buscas saber
Os seus instintos, suas tendências...
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
O que tu chamas tua paixão
É tão-somente curiosidade.

ARTE DE AMAR
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

A VIGÍLIA DE HERO
Tu amarás outras mulheres
E tu me esquecerás!
É tão cruel, mas é a vida. E no entanto
Alguma coisa em ti pertence-me!
Em mim alguma coisa és tu.
O lado espiritual do nosso amor
Nos marcou para sempre.
Oh, vem em pensamento nos meus braços!
Que eu te afeiçoe e acaricie...
Não sei por que te falo assim de coisas que não sáo.
Esta noite, de súbito, um aperto
De coração tão vivo e lancinante
Tive ao pensar numa separação!
Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
Queria ver-te... estar ao pé de ti...
Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me.
É como uma corrida, em minhas veias,
De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedods
Que queriam tomar tua cabeça amada,
Afagar tua fronte e teus cabelos,
Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!
Oh, quisera não ser tão voluptuosa!
E todavia
Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!
Mas faz sofrer... inquieta...
Ah, como poderei contentá-la, jamais!
Quisera calmá-la na música... Ouvir muito, ouvir muito...
Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!
Possui-me como sou na ampla noite préssaga!
Sente o inefável! Guarda apenas a ventura
Do meu desejo ardendo a sós
Na treva imensa... Ah, se eu ouvisse a tua voz!

ADEUS, AMOR
O amor disse-me adeus, e eu disse “Adeus,
Amor! Tu fazes bem: a mocidade
Quer a mocidade.” Os meus amigos
Me felicitam: “Como estás bem conservado!”
Mas eu sei que no Louvre e outros museus, e até nos nosso
Há múmias do velho Egito que estão como eu bem conservadas.
Sei mais que posso ainda receber e dar carinho e ternura.
Mas acho isso pouco, e exijo a iluminância, o inesperado,
O trauma, o magma... Adeus, Amor!
Todavia não estou sozinho. Nunca estive. A vida inteira
Vivi em Tetê-à-tête com uma senhora magra, séria,
Da maior distinção.
E agora até sou seu vizinho.
Tu que me lês adivinhaste ela quem é.
Pois é. Portanto digo: “Adeus, Amor!”
E à venerável minha vizinha:
“Ao teu dispor! Mas olha, vem
Para nossa entrevista última,
Pela mão da tua divina Senhora
- Nossa Senhora da Boa Morte”.

RONDÓ DO CAPITÃO
Bão balalão,
Senhor capitão,
Tirai este peso
Do meu coração.
Não é de tristeza
Não é de aflição:
É só esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
A aérea esperança...
Aérea, pois não!
- Peso mais pesado
Não existe não.
Ah, livrai-me dele,
Senhor capitão!