Poema de Patrícia Lino
I
Posta a cabeça no céu, sem roupa
o que te dizia de olhos abertos
no meio do alcatrão tão feio
como a flor de Carlos mais feio
ainda que a náusea
– Tudo o que planto é de um amor urgente
O que depois te dizia de cabelos soltos
posta a cabeça no teu ombro, sem roupa
no meio do quarto ao som de Joy
Division por entre o ventre e o baixo
– Amo-te fora e dentro da casa
II
Depois das nuvens
àquela hora da cidade
o que havia de mais pós-punk
eram as tuas calcinhas rosa
no alto do canapé
– Como assim
preferes New Order?
III
Por quantas estações amei
a tua blusa no estendal
o álcool da tua saliva
nos meus dentes irregulares
e as beatas nos sapatos
antecipando manhãs inteiras
de testa no teu peito nervoso
– Que vontade de morrer na tua cabeça
– Queres ser minha namorada?
IV
A possibilidade de escrever
sobre porquinhos-da-índia
foi barrada pela morte do hamster
da minha namorada
além de que a minha namorada era tudo
menos um porquinho-da-índia
Assim tive que escolher
ou a minha namorada
ou a tradição literária
“E ainda se dizia um poeta menor!”
“Não foi” – “Foi” – “Não foi”
Escolhi a minha namorada
1. Porque a minha namorada dançava melhor
(Smoke gets into your eyes, Fred Astaire, etc)
2. Porque a dor da tradição não é nada
perto da dor de coração
Qualquer palerma sabe isso
V
Esqueci-me não queria mas esqueci-me
de como eram as tuas ancas
que canção me deste em outubro
que poema te li em novembro
não sei se te lembras
da tarde nos jardins onde não te toquei
de como não sabia escrever-te em hexâmetro
dactílico e de que forma se abriam os teus olhos
quando à palma da tua mão eu ajustava os meus dedos
Quantas vezes dirás o meu nome se o dizes
com que jeito em que tom
Pedes coca-cola ou ice tea
com que dedo chamas o garçom
Em quais cigarros me queres agora
se deitei o meu nome à tua boca
e estou ainda à espera que o digas
Porque eriçámos os cabelos dos deuses
ao carregarmos a grande tontura das ideias
na saúde e na doença
de espada e alfinete
em alegrias e vendavais
por cima de terras e pais
VI
Enorme era a vocação que tinham os nossos olhos
para tropeçar na intimidade dos astros
como se no Génesis repara
os homens não nomeassem mais as coisas
por estarem demasiado ocupados a vislumbrá-las
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Freude trinken all Wesen Alegria bebem-na todos os Seres
An der Brüsten der Natur Do peito da Natureza,
Alle Guten alle Bösen Bons e Maus,
Folgen ihrer Rosenspur Seguem o seu traço de Rosas
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VII
Enquanto eu lia Platão
a minha namorada preferia Simone de Beauvoir
e se eu tentasse falar sobre la force des cho...
a minha namorada beauvoava para outra divisão
Ou riscava
as minhas edições Gallimard
VIII
A costura do teu vestido
na curva do limoeiro dava ao gato o pretexto
com que esqueci as aves, a mãe e o prato
– Este é o hábito do gume cristalizado
Escuta:
IX
The angry lady in the library
is the same angry lady in my house
is she breaking my heart for fun?
so why she does sleep with her lips on mine?
Tentei formar uma banda
com o Carlos, o Manuel e a Teresa
A worried man quartet
mas a minha namorada não gostava
de jazz
E riscava
as minhas edições Gallimard
X
Tu-es-un-poulet
tu-es-un-poulet
(Escrito a capitais, p. 49, Deleuze
vermelho, canto superior direito
como quem diz quase como quem diz
sou eu a cortar-te a cabeça
e tu a continuares a levar-me nos pés)
Carlos António
Tu-es-un-poulet
tu-es-un-poulet
Carlos António