31 de março de 2015

O pai de Elida

Como eu gostaria de trocar algumas palavras com a mãe de Elida. Minha filha pouco fala de sua mãe, que por sua vez nunca foi resgatada daquele lugar embaciado, cheio de entulho e seres inanimados. Ao contrário da mãe de Elida, fui um viandante que não passou despercebido pelos locais em suspenso que percorri. Todos tão infinitos e rarefeitos que jamais cheguei a percorrê-los de fato. E no meio de tantas platitudes decantadas da substância do tempo, conheci a mãe de Elida, e dei início a uma relação da qual não me recordo. Por essa razão, talvez, Elida a todo momento tente fugir de sua história. As relações amorosas são musicadas pela imaginação de pessoas amedrontadas que não ousam viver. Elas costumam atribuir uma música, um cheiro e um roteiro a passagens que nos conduzem a um lugar solitário, habitado somente por cada um de nós. Não vivi nenhuma relação com a mãe de Elida, que não ficaria feliz em me ver desse jeito. Ela desnudava o sentido das coisas ao se identificar apenas com o sofrimento alheio, muito provavelmente se entregaria a um profundo estado de letargia no meu leito de morte. Seria feliz, de um jeito muito particular. Eu não me recordo da mãe de Elida, mas apenas do telefonema que confirmou seu suicídio. As pessoas evitam pronunciar a palavra suicídio. Eu consigo entendê-las, as pessoas se suicidam porque o suicídio existe, e não por conta de uma vida desventurada. Elida é filha de todos os meus amores, tão rarefeitos como os lugares em suspenso que percorri; olho para ela e sinto alguma vontade de viver, é como se não pudesse ser filha de quem é, daí o meu impulso em negar a existência dessa mulher que tão somente engravidou. Jamais pensei em suicídio, mas agora já penso que posso morrer, o que me aproxima do suicídio da mãe de Elida, e por mais que tente negar a  sua existência, sei que  só será velada no dia em que parar de pensar para terminar de morrer – ao contrário dela, que terminou de morrer para parar de pensar. A mãe de Elida foi vencida por uma subtração de forças; seu último impulso foi peremptoriamente estancado pelo meu esquecimento.