15 de julho de 2022

Hoje mando um abraço pra ti, pequenina

Sob o olhar do anjo Gabriel e de Santa Tereza D'Ávila, Jerônimo dá seu último suspiro no lugar que detestou por longos trinta anos de sua vida, a capitania real da Paraíba. Jerônimo José de M. Castro morreu em 13 de maio de 1797 após três décadas governando a capitania. É a essa figura histórica que se dedica o romance de estreia de André Cabral Honor, que une a sua dedicação à História Colonial e a Paraíba que adotou como lar e pátria.

O romance é irônico em seu título. Se na canção de Gonzagão há um sentimento amoroso, de saudade e desejo de regresso, na vida de Jerônimo predominou o desejo de abandonar a Paraíba que tanto detestava. De forma não linear (e com poucas transições dentro dos capítulos), apresenta episódios pontuais da vida do capitão e, por conseguinte, reconstrói aspectos da vida religiosa, política e privada da capitania, bem como no comércio e da relação com os escravizados.

Esses aspectos históricos são todos bem postos. Não existe aquele excesso que, por vezes, percebemos em alguns romances históricos, nem qualquer sombra de didatismo. André está confortável na posição de escritor, não cede ao historiador. Quero com isso dizer que cada detalhe histórico está a serviço da obra, da cena, da relação entre as personagens. Julgo um acerto, porque não perde a fluidez da narrativa, tampouco cria aqueles momentos "senta que lá vem história".

A não linearidade da narrativa também soa acertada, porque aguça a curiosidade, criar tensão suficiente para jogar o leitor para a próxima página. Além disso, dissolve ao longo da narrativa a possibilidade de soar como um relato histórico e não um romance. Talvez esteja sendo chato ao enfatizar esse contraste entre relato histórico e romance. O ponto central aqui é: André não comete um romance para fazer um relato histórico acadêmico ou jornalístico.

A opção de narrativa em recortes da vida de Jerônimo é um acerto, o que não implica em dizer que também não traga um aspecto negativo (mas não ruim): aguça a curiosidade sobre tantos outros personagens que cruzam o caminho do capitão. São personagens interessantíssimos que merecem um outro romance ou contos enfatizando aspectos de suas trajetórias e biografias (v. g., o escravizado João, alguns dos religiosos, Ana Vitória, a moça da cocada e sua mãe).

Sob os aspectos técnicos, André escreve bem. Tem uma escrita econômica, tudo bem calculado e bastante visual (tem um certo apelo teatral). Os cenários descritos estão sempre integrados com cada cena, contribuindo para a tensão, humor e dramaticidade de cada encontro. As tensões sexuais, espirituais e afetivas das personagens se mesclam com o cheiro das ruas, a iluminação e deterioração dos templos, entre a palidez das imagens sacras e do rubor e pudores das personagens, a podridão das cadeias e o rubro do sangue derramado e das torturas. Tudo se mescla em favor da trama, em favor da experiência do leitor.

Um outro elemento que me apraz é o de não ter qualquer expectativa ao embarcar no romance de um autor inédito: a sensação de ser surpreendido. E, no caso, positivamente. Há, claro, um outro excesso, coisas que poderiam ter sido suprimidas por soarem um pouco deslocadas (como algumas tiradas do anjo Gabriel), apesar de compreensíveis e de não afetarem o romance em si por não estarem conectadas com ele, mas servirem como um certo alívio cômico. O epílogo (muito bom) poderia ter sido colocado antes da cena final e apoteótica do último encontro entre Jerônimo e José (o meu final desejado). Contudo, se tratam mais de escolhas do escritor que de algo que venha a diminuir ou prejudicar o romance.

Hoje mando um abraço pra ti, pequenina marca a ótima estreia de André Cabral Honor. Surpreende, diverte e confere ao leitor e leitora uma experiência intensa e curiosa sobre a história da Paraíba e dessa personagem curiosa e intensa, que desperta sentimentos tão diversos ao longo do romance. Vale conferir.