Deus me livro!
Nunca duvidei do sábio Jung e vocês certamente já vivenciaram o que vou comentar aqui: dizem que no Brasil temos uma figura de linguagem peculiar (e não catalogada nos livros didáticos) chamada religiosidade: a complexa estrutura dos nossos dias automaticamente desemboca em um "Minha nossa senhora!", "Menina do céu!", "Ave Maria!" ou, ainda, no clássico "Cruz credo!". A deidade cristã está na boca do povo - e também na minha, pois sou um bom mineiro, mesmo longe das Minas Gerais em que nasci, graças a deus e à deusa.
Esse sintoma cristão, com o tempo, me fez entender duas coisas: a) a linguagem é vivíssima e cria sentidos para além dos referenciais (religiosos e não só) de que se vale; b) a nossa memória individual é atravessada pelo inconsciente coletivo da necessidade de salvação, daí esse automatismo de usar expressões religiosas para rechaçar qualquer possibilidade de não estar bem, de não ser salvo ou salva.
Infelizmente, todas essas falas tão vivamente brasileiras têm em comum o fato de que a um terceiro (no masculino mesmo) é dada a responsabilidade de nos salvar - e talvez por isso a religião encontre tanta adesão na alma humana. Eu, sinceramente, nunca escapei a essa lógica, a qual vivi em duas fases: uma primeira, religiosa, até os 20 e poucos anos, em que eu realmente acreditava na necessidade de salvação (que atrai a culpa etc.); depois, numa fase mais epifânica, quando entendi que a terceirização da minha segurança tem sentido: sempre fui um homem salvo... pela linguagem! (Se, no princípio, era o Verbo, então - ufa! - sigo no bom caminho da palavra).
Na escrita (que cultivo desde os 13 anos), na leitura e nos livros que amo depositei o meu santuário e a minha divindade; aí, no livro, depositei a minha salvação. Por isso mesmo, em vez de um habitual "Deus me livre", preferirei sempre um "Deus me livro", pois é para o livro que quero ser guiado sempre, sem reserva. No livro está a minha redenção!
Sob este pretexto tão paradoxalmente metafísico e empírico, apresento a vocês a Deus me livro!, uma coluna que o LiteraturaBr carinhosamente me cedeu para publicar crônicas sobre livros, leituras e libertações por meio da palavra literária. Amém?
Quem ficar de fora, vai para o inferno - Deus me livro!