6 de outubro de 2021

A orquestra dos inocentes condenados, de Milena Martins Moura

A Orquestra dos Inocentes Condenados, terceiro livro da poeta carioca, foi escrito como mecanismo de enfrentamento dos efeitos nocivos da solidão e do medo provocados pelo isolamento social.

O livro que temos em mãos é, portanto, uma mostra de um não poder. Pois a poeta não cede a uma ideia meritocrática de superação, mas abraça a perda. O que não significa, de modo algum, abraçar a derrota, afinal, ela escreve, ela grita, ela toca a música que ora nos embala, ora nos soterra. E nos presenteia com 102 páginas de poesia peso, poesia corpo, poesia urgência.

3 poemas de A Orquesta dos inocentes condenados — Milena Martins Moura | by  Revista Tamarina Literária | Revista Tamarina Literária | Sep, 2021 | Medium

Trecho do prefácio de Bruna Mitrano

Totalmente concebido durante a pandemia da Covid-19, A Orquestra dos Inocentes Condenados nasceu de uma necessidade: escrever como maneira de manter-se sã durante tempos atípicos e assustadores. Por isso, cada poema a seu modo, o livro é permeado de maneira contundente pelas temáticas da solidão, da morte, do medo e dos abalos psicológicos que tudo isso proporciona.

Retratando com completa honestidade e sem floreios momentos de crise e de luto, pensamentos sobre a finitude e a fragilidade da vida, memórias nostálgicas fundantes e uma discussão necessária sobre a neurodiversidade entre mulheres, a poeta nos traz um retrato sincero e escancarado de sua própria psiquê durante a escritura da obra.

“Muitos dos poemas presentes na Orquestra foram escritos em momentos de crises de ansiedade ou sobrecarga sensorial, fosse para aplacá-las em seus sinais iniciais, fosse para sair delas. As menções à cor roxa, aos dentes e paredes, às mordidas na carne não são à toa. Ali também estão alguns dos meus mais assombrosos momentos durante o ano bizarro de 2020, em que vacilei entre a total desistência de tudo e o frenesi eufórico de uma esperança um tanto burra. Basicamente, esse livro foi como respondi ao meu próprio pedido de socorro.”

Terceira obra de Milena Martins Moura e seu segundo livro de poemas, sucedendo Os Oráculos dos meus Óculos, de 2014, A Orquestra dos Inocentes Condenados continua, de certa maneira, o mote de seu antecessor. Se, nos seus Oráculos, Milena nos escancara o luto pela partida de seu avô, em sua Orquestra, exibe-nos também um luto, pelas vidas ceifadas pelo vírus, pelo estado de coisas atípico, pelo país, pelo futuro.

Além dessa, outra semelhança entre os dois livros salta aos olhos: a saudade. Da infância, dos que se foram, dos modos conhecidos de se levar a vida, de tempos mais simples.

“A infância me voltou durante a pandemia como uma pedra fundamental, um tipo de alicerce. Ao retornar a tempos passados, mais simples, de menos medo, tive a sensação de angariar certa firmeza para continuar. Acessar essas memórias para escrever alguns dos poemas me deu uma força que eu não imaginava ser tão necessária quanto se mostrou.”

Nascido de uma escritura pessoal e íntima, o livro é recheado da realidade da autora. Característica marcante – e um dos motes mais presentes no livro – é, por exemplo, a menção à música, detalhe que chama a atenção quando conhecemos que a poeta é também cantora e compositora. A música aparece como instrumento temático e estrutural, seja de maneira clara, seja no ritmo de leitura que a escolha vocabular de cada verso imprime. Parte fundamental da vida da autora, a música se insinua em todo o livro, a começar pelo título.

Milena Martins Moura não se esconde nessas páginas. Mostra-se, cada pedaço de sua personalidade, de sua realidade. Chama a tudo e todos pelo nome, parecendo, com isso, ancorar-se à lucidez. Daniel, Helina, Vera Lucia, Madureira, Telefunken 1984 e seu próprio nome, sempre usado com um cunho repreendedor – nomes de família, lugares e coisas aparentemente banais, mas de extrema importância, permeiam versos desesperados de poemas, no entanto, estruturados com o modo metódico característico da autora, que fala abertamente sobre sua condição de pessoa autista.

“A palavra ‘autista’ não aparece explicitamente no livro, mas o espectro se mostra em cada poema, como aliás se mostra em tudo que me diz respeito, afinal é uma parte enorme da minha vida. Há poemas que citam expressamente ‘o espectro’, ou que falam das comorbidades, das dificuldades de ser uma mulher adulta autista leve, ou mesmo de ter sido uma criança não diagnosticada. Mas mesmo os poemas que não têm, em absoluto, ligação com esse tema também deixam entrever algumas características minhas, como o modo de estruturar os versos e estrofes, um tipo de obsessão por alinhamento, tamanho de verso, quantidade de versos por estrofe, tal qual o hábito de arrumar meus copos por tamanho na cristaleira, meus sapatos por cores no armário, meus livros impreterivelmente da direita para a esquerda na estante.”

Saindo pela Editora Primata, A Orquestra dos Inocentes Condenados tem 102 páginas de uma poesia com pressa: pressa de compreender os tempos, pressa de acostumar-se com o novo estado de coisas, pressa pela mudança, pelo retorno a tempos mais simples, pelo voltar à lucidez. Com prefácio de Bruna Mitrano e arte de Macaio Poetônio, a Orquestra é um relato honesto e dilacerado sobre os impactos nocivos da solidão, do medo e da morte, não apenas sobre a autora desses versos, mas sobre cada um de nós.

Poesia carioca que não se escreve de frente para o mar

Milena Martins Moura nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro em 1986. Passou a infância no bairro de Madureira e a adolescência no bairro da Pavuna, morando hoje no bairro do Cachambi. Seu Rio de Janeiro não está nas letras de Bossa Nova. Tem ônibus lotado, vendedor de bala no trem, sapato pendurado no fio elétrico, padeiro de bicicleta vendendo o pão de porta em porta e a recorrente menção à Telefunken 1984 sem controle remoto da infância.

A poeta começou a escrever com nove anos de idade e já então demonstrava algo de que a Orquestra é exemplo: usava a poesia como meio para manter-se forte. Pela poesia, encontrou a firmeza para se formar como sujeito pensante e buscar seu papel no mundo. Na mesma época, também iniciou seus estudos de música e desenho, fazendo da arte uma presença central e indelével em sua vida.

Aos doze anos de idade, decidiu fazer faculdade de Letras, o que pareceu precoce para sua família, mas se tornou real anos mais tarde, quando se formou pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde também fez seu mestrado em literatura brasileira, estudando o escritor Caio Fernando Abreu.

Trabalhou no mercado editorial em selos como Bertrand Brasil e Difel, onde produziu livros de autores como José Castello e Menalton Braff. Atualmente, oferece serviços editoriais diversos para editoras, universidades e periódicos.

Em 2011, lançou seu primeiro livro de contos, Promessa Vazia, que mistura literatura fantástica com relatos intimistas e psicológicos. Seu livro de poemas Os Oráculos dos meus Óculos foi lançado em 2014 num evento com participação da banda Tormentorum, da qual a poeta foi vocalista entre 2013 e 2016. Os Oráculos são sua carta de despedida para seu avô Daniel, falecido em 2010 após um longo e doloroso processo de morte que abalou imensamente a poeta e se tornou temática constante em sua obra.

Como escritora, foi publicada em inúmeros portais e revistas, como Cronópios, Subversa, Torquato, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Desvario, toró, Arara, Kuruma’tá, Aboio, Arribação, Totem Pagu, Granuja (México) e Kametsa (Peru). Seus poemas também estão em podcasts como o Toma Aí Um Poema. Além disso, integra as equipes de colunistas da revista Tamarina Literária e de poetas do portal Fazia Poesia.

É editora da revista feminista cassandra, um espaço de divulgação da arte e da literatura produzidas por mulheres, com edições mensais que contam com colunistas fixas e convidadas. Por meio da cassandra, busca cada vez mais propagar vozes femininas, fomentando a produção artística de mulheres.

A Orquestra dos Inocentes Condenados
de Milena Martins Moura
Editora Primata
poesia
ISBN: 978-65-88866-57-3
102 páginas
R$ 35