13 de janeiro de 2021

Comprei um poeta, e agora?

Vamos comprar um poeta?

O universo das distopias literárias e em histórias em quadrinhos tem sido o centro das leituras com a pandemia do COVID-19. Por quê será? Por mais inimaginável que seja, o leitor atento percebeu que histórias distópicas, que antes eram tão distantes da nossa realidade têm se tornado muito próximas. A curiosidade pelas previsões imaginárias da literatura despertou nos leitores a busca por esse gênero.

As distopias revelam um lado obscuro da humanidade, situações extremas e apocalípticas, alegorias de conflitos éticos são postos à prova e retratados com um viés crítico tão atual que ficamos chocados(as) ao depararmos com certas semelhanças com os acontecimentos reais.

Em Vamos Comprar um Poeta? o escritor português, Afonso Cruz, retrata uma sociedade marcadamente capitalista e materialista. Tudo é calculadamente medido e expresso em linguagens numéricas. Publicado no Brasil, pela editora Dublinense, em plena pandemia, uma obra que veio em um momento tão crucial de reflexão humanitária sobre absolutamente tudo. Nessa obra, temos um mundo marcado pelo consumismo, tão desenfreado como o que vivemos, o romance aborda de forma simbólica a dominância do capitalismo em todas as questões que pairam sobre a vida do homem, inclusive os sentimentos.

uma crítica não só ao modelo mercantil da sociedade atual, dos antagonismos sociais, como também da cultura mercantilizada e industrializada.

O romance, embora muito curto, é claramente uma crítica não só ao modelo mercantil da sociedade atual, dos antagonismos sociais, como também da cultura mercantilizada e industrializada. As famílias adquirem bens simbólicos como forma de mostrar o valor do poder de compra que possuem. Tudo à volta delas possui um patrocinador. Cada sentimento é calculado, as ações são medidas como se fossem uma balança, num jogo de pesos e contrapesos em que o difícil é encontrar o equilíbrio entre as emoções, pois até mesmo os sentimentos são contabilizados, que nem aquele ditado hiperbólico: “chorei litros”, no livro, é preciso explicitar quantos litros exatamente você derramou em lágrimas.

É praticamente um livro de matemática, onde a exatidão de cada coisa, de cada sentimento, de cada ação e movimento, de cada palavra é precisa. O enredo se passa quando uma família de poucas posses adquire um poeta.
O que representa a figura de um poeta na aquisição dessa família? Qual o papel desse personagem para compreendermos a valoração dada pela sociedade a representatividade dele na nossa cultura? A experiência da família com um poeta que representa o poder da arte, da cultura que a família possui em casa. É possível estipular e transacionar uma arte cuja sociedade se pauta em retornos e lucros? Que valor ou mais –valia um poeta poderia agregar a essa família? Compramos um poeta. Por quê não compramos seus livros?

Afonso Cruz é escritor e multiartista português, natural de Coimbra, já publicou mais de trinta livros dentre eles, o primeiro dele que li foi Os livros que devoraram o meu pai.