16 de dezembro de 2020

A poesia de Antônia Cristina de Alencar Pires

Antonia Cristina de Alencar Pires é formada em Biblioteconomia - UFMG, Mestre em Literatura Brasileira e Doutora em Literatura Comparada. Foi professora de Teoria da Literatura e Cultura Brasileira, na UERJ. Autora do livro de poemas À margem do espelho. Atualmente trabalha no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG e sobretudo é mãe de Camila, sua história mais bonita.


paraíso dos sonhos
(sobre tela homônima de lygia milton)

quero tirar os sapatos
e o cansaço
das andanças em círculo
no desejo incerto
de abrir uma porta
no corredor deserto
quero ser a delicada figura
etérea e eterna
no enigma azulverde da pintura
mulher primitiva e única
entre as casas e o nada
amiga e irmã
das solitárias coníferas
no paraíso dos sonhos
estranhos e extremos

*

documentário

traços,
rastros,
vestígios,
resíduos do que sou
imersos/impressos na memória como tinta sobre tela,
como filete de sangue da carne dos dedos
que arranco entre dentes,
entre soluços,
entre o êxtase e o espanto que se chama vida

*

sortilégio de sísifo

amo e odeio
os poemas
que revelam a mulher que se esconde
sob meu rosto

quero e rejeito
os poemas
que vão ao limite da náusea
e do êxtase. agônica catarse

maldigo e abençoo
os poemas
fugidios, escorregadios
que escapam implacáveis
dizendo o que não digo

recuso e aceito
os poemas
doloridos, alentadores
que resultam do oficio
insano, impune, inefável
do qual não ouso fugir
sequer negar

os poemas amados
odiados
malditos
abençoados
são o corte mais fundo
que me permito sangrar