30 de setembro de 2020

Autobiografias em quadrinhos, revelam o autor ou a sua arte?

As autobiografias em quadrinhos é um dos gêneros mais utilizados pelos quadrinistas quando querem iniciar um trabalho autoral, tanto para se apresentar ao público leitor, quanto para mostrar a sua arte, o seu traço e a desenvoltura com o roteiro.

Uma das grandes dicas para iniciantes na nona arte é que façam histórias sobre aquilo que conhecem, vivem ou dominam. Isso também é válido para a literatura. Poucos são os autores que criam outros universos paralelos que não tenham alguma semelhança ou aproximação com a sua realidade. A autobiografia é uma boa forma de se iniciar um trabalho artístico ou até mesmo de encerrá-lo.

Por ser uma das portas de entrada para o mercado das histórias em quadrinhos, há quem vive de narrar sua própria vida, suas histórias cotidianas e fazem mais sucesso que demais trabalhos autorais já publicados, poderia citar vários, mas só de exemplo, cito Robert Crumb como um deles. As histórias que Crumb desenhou sozinho ou em parceria com a sua esposa, também artista, são muito conhecidas pelo humor satírico e sarcástico, sendo o elemento que atrai e cativa o público-leitor. Suas narrativas undergrounds, embora contenham situações e posicionamentos machistas, avessas ao pensamento social da geração contemporânea ainda assim é aclamada e admirada como um dos maiores quadrinistas undergrounds do mundo.

A cada obra em quadrinho autobiográfica lançada, percebe-se que é sempre o primeiro trabalho do autor ou um dos representativos. Não se trata de uma regra, mas uma forma costumeira de avaliar ou testar o potencial artístico dos novos quadrinistas. Há quem foge a esse padrão e escreve quase premeditadamente uma obra sobre o que poderia ser o seu próprio fim, a morte de forma precoce, como foi o caso do aclamado artista italiano, Andrea Pazienza. Publicado no Brasil pela editora Veneta, em 2016, “Os últimos dias de Pompeo” é uma narrativa cujo alter ego do autor revela a vida no submundo do vício da droga que leva-o à morte por overdose de heroína.


A obra autobiográfica de Pazienza passa muito longe de representar o artista que foi, tão cultuado e aclamado pela crítica italiana, revela mais de si e seus conflitos em conciliar a vida de sucesso com o vício, encerrando sua vida e carreira distante do que o próprio artista que a sociedade reconheceu. A novela gráfica tem constantes cenas de uso da droga intercalada com momentos de alucinações provocadas pela heroína. A narrativa decadente do autor pode ser interpretada como uma forma triste de um trabalho glorioso sendo encerrado tão prematuramente.

O que Pazienza e Crumb têm em comum e de diferente? Os traços do italiano relembram o estilo de Robert Crumb, a arte underground, porém Pazienza se revela com um humor disfórico, aquele que se caracteriza pela constante irritabilidade, às vezes desagradável e carregado de ansiedade. Enquanto Crumb é mais irônico.

Nessas disparidades antagônicas da produção autobiográfica em quadrinhos, ela revela o autor, ao tornar pública a sua história ou aclamá-lo enquanto artista?

Ambas as questões podem coexistirem, vida e criação, podem revelar muitas coisas, mas também desencadear situações contraditórias tão costumeiras em vez de um começo ou recomeço, um final talvez.