26 de agosto de 2020

A poesia de Isabela Sancho

Passaporte

Separei uma foto,
uma assinatura,
um polegar.
Falsifico-me um nome.
Quero ser outra coisa.
Que gesto uso
pra me fazer entender?
Eu não posso
mais ficar.

 

*

 

Nova aqui

Dezesseis graus
não é tão frio.
Eu preciso
ajustar os relógios
e deixar o casaco.
Para onde se moveu
o centro europeu?
A rua mudou
todos os lugares menos o próprio.
Ela mudou
nada, a não ser ela mesma.
Eu devo aprender com as casas
a ficar do outro lado da rua.
Saberei a hora de atravessar
pelo contrário do que me parece.

*

Despedida

Achei que a beira do mundo ficasse
mais para frente
pelo menos
um pouco.

Como pude
tão logo
perder as coisas de vista?

A Terra é redonda,
eu sei o truque
da roda –
não fui tão longe.
Só dei as costas.

 

Isabela Sancho é autora e ilustradora dos livros de poemas As flores se recusam (Editora Patuá, 2018 - menção honrosa no Prêmio Literário Glória de Sant'Anna 2019, Portugal), A depressão tem sete andares e um elevador (Editora Penalux, 2019 - finalista no Prêmio Guarulhos de Literatura e menção honrosa no Prêmio Literário Glória de Sant'Anna 2020, Portugal), Monstera (Editora Urutau, 2019), e também da plaquete Quem fala em seu nome (Editora Primata, 2019). Seu quarto livro, Olho d'água, espelho d'alma, foi vencedor do Prêmio Literatura & Fechadura e deve ser publicado pela Editora Folheando em 2020.