5 de março de 2020

A poesia de Isa de Oliveira

A morte sem corpo

Quando vier
Venha em silêncio
Para que eu escute o som dos ossos

A tormenta sanguínea
Percorrer pela alma
Desenterrar o que não foi dito

Em vida
Diga-se de passagem
O tempo
Estadia permanente cravejada na memória

Partiu donde fez morada
No rumor de um mudo
Maquiagem de formol selada
em espírito

Cravejada voz presa no olhar
A dúvida em transe
A despedida em coma
O desespero fechado
N’alguma gaveta

Ah, quem sou eu naquela vala?

 

*

 

(Des)caminhos

Dos caminhos que faço
Muitos são feitos de sonhos
Rumo à cama de uma noite fria

Dos caminhos que percorro
Alguns são conhecidos pelas suas
Pedrinhas

Dos caminhos que desconheço
Meia-volta a passos largos

Dos caminhos que traço
Rabisco passos
Deixo rastros

Dos caminhos escuros
Há muitos postes

Dos caminhos seguros
Há muitos vigilantes

Dos caminhos trilhados
Cruzei com uma multidão vazia
Enchendo ruas e edifícios

Dos caminhos que vislumbrei
Um olhar perdido no horizonte

Caminho...
No chão que piso
Seco ou molhado
Sigo por onde me levam meus pés

Construo ruas, becos e avenidas
Até chegar ao lar
Ao trabalho
à escola
à vida.
Dez caminhos
(Des)caminhos.

 

*

 

Vertigem

Ouve-se o que quer
Aceita-se sem questionar
Expõe pensamentos
E trôpego em maldizeres
Inflama de versos
Rimas sem verbo
O poeta bêbado

No cambaleio
A dança sem sentido
Sem par
Sem música
Aplausos vazios de som
No Maletta

O traço sem nanquim
Esboça o trajeto
Cego
Tonto
Do pombo na Rua da Bahia

 

***

 

Isa de Oliveira é doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens, revisora, resenhista e crítica, produtora de conteúdo do bookstagram @corujadasletras, poeta e escritora, autora de Intermitências (Crivo Editorial, 2019).