7 de outubro de 2019

A poesia de Adília Lopes [2]

Adília Lopes, pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nasceu em Lisboa, em 1960. Frequentou a licenciatura em Física, na Universidade de Lisboa, que viria a abandonar quando já estava prestes a completá-la. Começa a publicar a sua poesia no Anuário de Poetas não Publicados da Assírio & Alvim, em 1984.

Antes disso, em 1983, começa uma nova licenciatura, em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Pelo meio, antes de a terminar, publica o seu primeiro livro de poesia, Um Jogo Bastante Perigoso, em edição de autor (1985). Em 2000, publica Obra, a reunião da sua poesia e, em 2009, Dobra, que amplia a edição anterior com o que foi publicado, entretanto, tal como de resto acontece com a mais recente edição de 2014, aumentada e revista. Tem colaborado em diversos jornais e revistas, em Portugal e no estrangeiro, com poemas, artigos e poemas traduzidos.

O poeta de Pondichéry foi o segundo livro publicado pela poeta e é o segundo livro a ser publicado pela Editora Moinhos, que publicou, em 2018, Um jogo bastante perigoso.

 

I

Voltou de Pondichéry no meio
de sedas damascos diamantes e concubinas o cordão de ouro da mãe
não serviu para pagar
a edição dos seus poemas mas para pagar a passagem para Pondichéry
onde veio a fazer fortuna nenhuma musa teve a caridade de gelar a tinta no seu tinteiro
também nunca lhe faltou o pão com queijo branco nem o papel
tanto o papel para escrever poemas como o papel de carta
escreveu cartas a Diderot a que juntou poemas
Diderot nunca lhe respondeu no regresso recebeu-o com frieza dei-lhe um conselho sensato
o que é que queria mais?
a obstinação do poeta de Pondichéry
em escrever poemas que Diderot acha maus é como a de Sísifo
mas há uma diferença
nos montes não há pedras boas e pedras más e nos livros há poemas bons e poemas maus
as concubinas as sedas os damascos e os diamantes não o consolam de escrever maus poemas
emenda muito os seus poemas
os papéis que os herdeiros vão encontrar depois da sua morte
parecem palimpsestos
mas as emendas são como um eczema sobre uma pele de que nunca se gostou

II
1
Para quê sacrificar mais uma página em branco?
se ainda se escrevesse em peles de bezerros recém-nascidos atrevia-me a sacrificar bezerros recém-nascidos?
acho que sim
2
Vou dedicar todos os meus poemas a Diderot escrevo só À Denis
ele sabe que é esse Denis eu também
as outras pessoas não não há embaraços

3
Se não tivesse conhecido Diderot
dizia hoje coisas diferentes das que digo hoje devo-lhe a minha fortuna e os meus desgostos