19 de junho de 2019

Entrevista com Renata Flávia

 

1) Quando você começou a escrever?

Não consigo identificar um ano ou período exato, eu digo que foi quando eu comecei a existir. Não me lembro de não escrever. Sempre tive cadernos e cadernos e escrever sempre foi a chave pra me sentir viva fosse em casa, ou na escola, no ônibus, nas praças eu sempre estava com meu caderno. Já a escrita transformada em exercício, praticada com mais frequência e de forma pública veio com a criação do blog "Lustre de Carne" em 2007.

2) E quando percebeu que o que você escrevia poderia virar um livro?

Quando se acumulou uma quantidade absurda de textos e eu precisava fazer com que eles caminhassem pra uma ressignificação. Eu precisava fazer com que eles seguissem seu próprio rumo, sem perdê-los. O livro em corpo e ideia foi sendo trabalhado depois dessa necessidade.

3) De onde surgiu a ideia do título, "Lustre de Carne"?

Lustre de Carne é um organismo vivo, veio pra iluminar minha cabeça atropelada pelos dias e com profunda voracidade. O espaço que eu escrevia o blog tinha um lustre afiado no teto e eu sempre me colocava (em corpo, em carne) abaixo dele enquanto ouvia música e escrevia. A relação concreta.com o espaço foi ressignificada em uma relação profunda da minha própria carne se fazer iluminada, vista, viva.

4) Você acompanha a poesia brasileira contemporânea? Acha que a nossa produção tem sido cada vez mais hermética e sisuda?

Acompanho de uma maneira moderada, confesso que minhas leituras estão a todo momento sendo atropeladas pelo velho e pelo novo. Acredito que o que tem sido produzido hoje tem aberto muitas portas para o uso livre da poesia, brincando com a linguagem e as imagens de maneira mais acessível, levando a poesia para os cantos da cidade, pra muros, ruas e também para as mídias sociais. Acho que a poesia deve ser mole e dançar e que muita gente tá tocando pra isso.

5) O que é poesia pra você?
É estar presente com tudo que você tem, no olhar pra fora e no turbilhão de dentro. A poesia é entidade mágica presente em tudo, basta permitir enxergar.

6) Você diria que há poetas importantes que influenciaram a você criar seu próprio estilo? Quem seriam e quais os motivos que a levam até esses nomes?
Acho que nem só poetas, tudo que foi visto, ouvido, tocado está em constante movimento nas nossas ideias. Como muita gente fala, é realmente difícil listar pessoas e cometer a injustiça do esquecimento. Posso dizer o que eu tenho lido hoje, o que tem me encantado agora é Jorge Amado, Simone de Beauvoir, Hilda Hilst e das contemporâneas a última foi a Alice Sant'anna.

7) Com dois livros agora publicados, quais sugestões você daria para quem deseja trilhar o mesmo caminho que o seu?
Escrever como exercício diário, ler como deleite e busca, mas principalmente não deixar a sua fala ser silenciada pelo medo da falha, não interessa quanto você saiba ou a quanto tempo você saiba, a falha vai estar lá e na verdade como diz um poema do Lustre de Carne, essa falha faz parte da nossa original beleza.

 

ALGUNS POEMAS DO LIVRO LUSTRE DE CARNE

 

4.
temo os objetos que tens nas mãos
os imagino barcos
te levam te levam
pra lá pra lá pra lá
não bate contra as ondas assim,
por favor
você rema pra longe
seus olhos, seus dedos
eu noto com medo
pra lá pra lá pra lá

 

*

5.
às vezes eu abro um livro
aleatória
buscando alguma redenção
uma resposta
minha poesia não vai salvar ninguém
por mais que todas as dedicatórias
estejam escritas
nem essa, nem ninguém
esses livros não me salvam
eu imploro
abro três, quatro
não me salvam
gritam amontoados
- ache a resposta sozinha
e eu vago em linhas
pensando que o poema
nos salvará um dia
não vai
ache a resposta sozinha

 

*

 

6.
a cabeceira da cama guarda triturados pesadelos
partículas cosmo de sonhos que finjo esquecer,
você seguraria meus braços quando estremeço?
eu não tenho o limite marcado,
de areia turva são feitas as extremidades,
o que habita longe de quando estou acordada
quase sempre fica disperso na realidade

 

*

 

7.
encarar
com o pouco que se tem
a sede

 

RENATA FLÁVIA nasceu em mil novecentos e oitenta e nove, em Teresina. Tem publicado o livro de poesias Mar Grave (2018, Moinhos).
O livro Lustre de Carne contou com apoio da Lei A. Tito Filho.