4 de outubro de 2017

A poesia de Sara Síntique

Sara Síntique é graduada em Letras Português-Francês e mestranda em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Nasceu em Iguatu (CE), em 1990, e reside em Fortaleza desde 2001. Autora do livro de poesia “Corpo Nulo” (2015, Editora Substânsia), também é atriz e performer.

 

tomei um gosto por azul

que adveio dos teus lábios

somente agora percebo

essa cor que me invade

feito tuas mãos no amanhecer

e assim sei de ti:

teu rosto é toda essa cor

que atravesso a nado

 

***

 

hoje depois de ler o horóscopo diário
constatei que você tinha razão sobre
a influência dos astros
não mais que maré e lua cheia não mais

o forno ainda está sujo de peixe
há escamas por toda a pia
o baralho o anzol os pés sangrentos
e tudo que prateou no ar

você também tinha razão
sobre os manzuás
sobre a areia
sobre a canoa
sobre os defeitos
e a textura das cores

era pra ser canção e não poema
como esta carta e não poema
como esta vida e não poema

mas meus olhos
já secos tardios
meus olhos
de teimosia
insistentes
deixam escapar

essa coisa às mãos

 

***

 

diria

 

 

mas antes do nome

os dedos desviam e

atravessam este corpo que poderia ser

com o teu:

 

 

um só

 

campo aberto

cavalo e cavalgada

cavalo e cavalgada

até que dos lábios

um sussurro trêmulo

dissesse:

 

este cometa demora muito tempo para completar uma volta ao sol

 

anos

 

o suficiente para

cabelos brancos

se confundirem nos

pentes da casa

entre pelos ralos

pernas entrelaçadas

o mesmo gosto

o mesmo líquido

 

a boca insaciável

a dizer

um verso

um só:

 

esse eco vagando pela areia da praia é bem maior no deserto

 

a língua trêmula

buscando escape

para isto que é mar

e que não descansa

 

um verso

um só:

 

te pões sentado e

me olhas

 

não sei a mulher que sou

 

mira-me mira-me

açoita-me

consome o fardo

 

ponho-me outra (uma errante?)

 

hesita

 

inventa uma nova língua

enquanto

contraindo as pernas

devenho rio

 

polui-me