19 de julho de 2017

A poesia de Regina Azevedo

Regina Azevedo é uma poeta brasileira nascida em Natal - RN em 2000. Autora dos livros "Das vezes que morri em você, "Por isso eu amo em azul intenso" e "Pirueta", além de alguns fanzines. Mantém o site www.reginazvdo.tumblr.com

 

 

Tomar catuaba com você

Tomar catuaba com você
é ainda mais tesudo
que ir a Hellcife, Natal, Fortaleza
ou ficar sequelado de 51 na Lapa

em parte por dançar forró com um mendigo suado
em parte por você ser o boy com o quadril mais eficiente do mundo
em parte por causa do meu amor por você
em parte por causa do seu amor por maconha
em parte por causa dos ipês albinos na estrada de Brasília

é difícil de acreditar quando estou com você
na existência de algo tão inerte
tão inodoro e ao mesmo tempo tão putrefato
quanto o atual Presidente da República

Nós andamos entre as fantasias da nossa canção
e de repente você se pergunta por que caralhos
alguém construiria um edifício atrapalhando o carnaval
Eu imagino o desmoronamento de um arranha-céu
e eu prefiro assistir ao acontecimento
de um desastre natural refletido nos seus olhos
Eu prefiro ver o seu sorriso diante de um maremoto
diante da falência da agroindústria ou das imobiliárias
a ver qualquer quadro pós-impressionista
exceto talvez Lautrec porque quando eu danço com você
eu não preciso fechar os olhos pra dançar com a melhor pessoa do mundo

Tomar catuaba com você
é ainda mais tesudo
que te assistir tragando um míssil
que ouvir você falando da potência das flores
que reposicionar a cama no lugar
que tropeçar e te encontrar
repetindo a palavra calma
enquanto o vento nos dá um sacode
e você diz que sente
a primavera fazendo cócegas
em nossas barrigas

 

*

 

só por um segundo
sob teu peito

o farfalhar do outono
e o que você fazia
em festejo ao fogo

a ponta dos dedos
ao relento

traquejo singular da labareda

misto de calmaria e lampejo
numa dança descabelada

a língua pronta para o surgimento
da manhã

o espírito de cavalo colorido
no ato de trocar os óculos com você
e te olhar de baixo

o minério que dorme na pele
o desafio que doma o segundo
a ginga que derrete as ondas

cheiro tônico diante do espelho

o rugido e o anúncio
do tropeço no ritual:

um orgasmo estupendo
anestesia contra bombas
de efeito moral

 

*

 

Beijar você

 

Beijar você
na queda livre da montanha
russa – feito embrião
aprendendo a dar cambalhota.
Bolinhas cítricas explodindo
na língua. Um trote
desafiando a gravidade,
o batom vermelho desejando
pular da minha boca pra sua.

Nosso toque parece,
a olho nu,
Uma boiada pisoteando
uma teia de flores
Um filhote de orca separado
da família.
Mais de perto, a mão que passeia
é a mesma que dança
Nossos ombros unidos
fazem brotar orquídeas ou margaridas.

O que há de mais bonito é
A espessura do seu batimento cardíaco
A cor que meu cabelo adquire
de acordo com o raio da sua visão.
Sua pupila dilatada
muito perto da minha pupila dilata.
Seu sorriso diante da minha clavícula,
da ideia de estação,
do pensamento de que tudo,
inclusive o que se esconde na linha do horizonte,
é pura beleza.

Tudo, absolutamente tudo,
Mas no ponto mais alto do pódio
beijar você na queda livre
da montanha russa.

 

*

 

Você dormindo
Eu pensando em te contar
sobre a feira perto de casa
onde compramos coco a 1 real
e morangos molhados
vermelhos maravilhosos
Ou que agora consigo
encostar os pés na cabeça
Uma florzinha lilás
se estraçalhando em nado livre
no riacho
E um inegável agito
entre o estômago
a vagina e as covinhas das costas
Um desastre natural
a descoberta de uma nova bomba atômica
o barulho da água
encontrando as pedras
A vontade líquida de mergulhar
com um maiô de poá e pés de pato
no penhasco que é seu pescoço
Um sussurro no escuro
Sobreviventes da guerra que podem chorar
e dar um soco seco no peito
de seus amantes
O menino dando adeus
ao seu cata-vento de papel crepom
debaixo da chuva
E mais um bebê bonito
lambendo o cardápio da pizzaria

Você abrindo os olhos
O céu roxo e laranja lá fora
As nuvens dançando
na parede gelada
Alguns origamis fazendo piruetas
feito poeira
na ponta do meu nariz
E lentamente vou emudecendo
enquanto o sol diz bom dia