20 de junho de 2017

Entrevista com Assis Brasil

Amor e ódio pelo Sul

por Tiago Germano

 

Qualquer texto que se proponha a destacar os atributos de Luiz Antonio de Assis Brasil e comece listando a palavra “gentileza” é, para usar um dos termos mais pronunciados em sua oficina literária, um clichê. Aos 72 anos, mais da metade deles dedicados aos livros, Assis Brasil é, hoje, a maior autoridade brasileira na escrita criativa, tendo sido o principal responsável por torná-la uma área acadêmica com uma concorrida pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde é um dos professores mais atuantes. Tal vigor não se esgota na sala de aula: com romance recente na praça (“O Inverno e Depois”, publicado ano passado pela L&PM), o escritor ainda encontra tempo para assumir a tutela artística de alguns alunos e seguir ministrando sua oficina, a mais antiga do país.

Nesta entrevista que concedeu ao LiteraturaBr, Assis Brasil falou sobre a eterna relação de sua obra com o pampa e sobre como foi ambientar esta nova trama no ano de 2014, inserindo elementos como a internet e os suportes digitais na narrativa. Em compasso com a produção literária contemporânea, o mestre falou ainda das diferenças perceptíveis entre os escritores de sua geração e os de hoje, além das perspectivas e desafios futuros da escrita criativa.

 

“O Inverno e Depois” chega após o fechamento da quadrilogia dos “Visitantes do Sul”, mas não deixa de ser, também, uma visita à região, feita por um quase estrangeiro – Julius, um gaúcho que apenas passou a infância no pampa, se mudando muito cedo para São Paulo e depois para a Alemanha. Esse olhar alheio, temporal e espacialmente, a uma paisagem que lhe é tão íntima e presente, ainda lhe inquieta? Por quê?

Acertou. “O inverno e Depois” tem, também, alguém que volta ao Sul. Penso que essa é uma perspectiva que me constitui como escritor e ser humano. Tenho uma questão não resolvida com o Sul, um misto de amor e ódio, que não sei bem explicar. Esses retornos talvez tenham a ver com isso, pois significam a possibilidade de discutir uma antiga questão, que é a oposição entre a civilização e a barbárie. No caso, a “civilização” é o ambiente europeu (uma balela, pois a Europa, atualmente, tende de novo à barbárie) da refinada música de concerto, das escolas de música, dos metros e dirigentes de orquestra; e a “barbárie” é o pampa. Claro que, quanto ao pampa, é uma barbárie inocente, se é que posso dizer assim e, por isso, se meu pensamento objetivo, iluminista, me liga à Europa, minha alma pertence à Fronteira, à planície sem fim, com todo seu passado de revoluções, guerras e autoritarismo.

 

Posso estar enganado, mas deve ser a sua primeira obra em que elementos como internet, celulares, e toda a tecnologia de nossa época se faz um pouco mais presente na narrativa, com referências a filmes e artistas recentes, etc. Após tantas incursões bem-sucedidas ao passado, em obras anteriores, como é, agora, colocar os pés nesta época?

Na verdade, nunca deixei a minha época. Sou intelectual do meu tempo, e se situei algumas de minhas tramas no século 19, foi com o olhar de hoje. Para mim, escrever um romance situado no século 19 ou 21 é rigorosamente a mesma coisa, sinto-me à vontade para isso. Agora, em particular, me apeteceu escrever um romance situado em 2014. A causa é simples: o ser humano é mesmo, seja na Idade da Pedra, seja nos dias atuais.

 

O senhor evidentemente acompanha a produção literária contemporânea de uma posição privilegiada – vendo escritores germinarem. Em que ponto as preocupações estéticas e a concepção de mundo dessa geração de escritores que está se formando se aproxima e em que ponto elas se distanciam das suas?

É, para usarmos o termo, uma geração extremamente criativa; aliás, nunca a literatura foi tão criativa como agora. As diferenças mais visíveis, comparando com a anterior geração são: 1. O uso massivo do “eu” com fortes traços autobiográficos; 2. A desterritorialização temática; 3. A busca da limpeza/eficiência formal; 4. O abandono do papel de intelectual que outrora ostentavam os escritores; 5. A ausência de posição política; 6. A preferência pela novela, e não pelo romance. E não estou achando ruim nada disso. Nem bom. A cultura é o que é – com perdão pela circularidade.

O nome Assis Brasil é uma referência para a escrita criativa por aqui, um país em que as oficinas literárias já são uma prática comum, mas no qual a escrita criativa ainda não conseguiu se consolidar como área acadêmica (tendo ainda poucos cursos de graduação e pós-graduação). Quais são os desafios que ainda precisam ser superados nesta área? 

Trata-se de uma questão de tempo, pois a Escrita Criativa na Academia veio para ficar e expandir-se. Quem viver, verá. Há resistências, é claro, como todo pensamento novo, mas avanços, como o fato de a CAPES aceitar obras literárias (oriundas de Programas que tenham a Área de Escrita Criativa) como produção de indicador. Um grande passo. Virão outros, na sequência.