21 de março de 2017

ACROBATA número 6

A palavra, nomeando a revista. O vernáculo apontando para o leitor-alvo. Uma primeira visão: o equilibrista a dançar sobre a corda - a provocar maravilhamento. O efeito: a vertigem do desequilíbrio.

A provocação primeira: o espanto na visão da capa da revista, primorosa arte gráfica e ilustrações de singular genialidade. Duas figuras com anatomia exposta que explodem em Significações e peso simbólico. À esquerda, a figura humana guarda, nas entranhas, a imagem do coiote. À direita, outra figura humana guarda, nas entranhas, o polvo (em alguns oráculos xamânicos, o coiote - o louco - representa a criança interior em seu ingênuo delírio e o polvo representante a medicina das invisibilidades, guarda o signo da inteligência).

Ao pé da capa, outra provocação: A letra O da palavra Acrobata dá um salto para o alto da capa e fica sob a mira das figuras humanas/ilustrações. A palavra fica vazia de seu centro/ eixo, o que dá ideia de perda de equilíbrio, negando-lhe o significado: O Equilibrista. Outra vertigem. O primeiro desequilíbrio experimentado pelo leitor. No anverso da capa, outra genial ilustração densa de signos: Um pulmão, dentro dele uma floresta onde mora um lobo (no oráculo xamânico representa o professor, o mestre). Mais do que uma provocação é um convite à respiração.

Se o leitor seguir os sinais, saberá inalar o odor das palavras, das imagens e de suas mensagens. Acrobata é uma revista orgânica, cuja leitura é uma jornada exploratória de sua alegórica anatomia. Tantos signos, tantos sinais, intencionais ou não, decerto não são por acaso ou ao acaso. Pois que nada é acaso quando se trata de linguagem no chão onde se faz Arte.

Acrobata é um portal que leva o leitor para um campo aberto aos desvelamentos da correspondência que há entre as artes, o fenômeno da corporalização da palavra e sua encarnação coletiva por seus vários meios de expressão, ofertados ao leitor página à página . Há nesse corpo de páginas, emissor de vozes e imagens, uma certa fartura de alegorias, tanto verbais como as visuais em essência. São analogias inerentes à expressão do pensamento tão necessárias à compreensão de mundos intrincados em sua negação e outros tantos, invisíveis à sombra do avesso de sua luz.

Decerto, só essa linguagem tem a prerrogativa de abrir essas janelas, desvelar os invisíveis das imagens e acender não a lâmpada. Mas sim, o avesso dela. Pois que o fazer da Arte, a criação de sua linguagem cumpre funções inerentes à compreensão simbólica desses mundos e suas esferas.

 

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imagem de Giulia Pex

 

A Acrobata e suas páginas-janelas abre uma zona crepuscular onde eclodem densas e ricas linguagens confrontando-se, vertiginosamente, na fronteira de dois campos: o da realia e o da irrealia. Um confronto que sublinha o abismo que há entre o real e o imaginário e a dúvida inoculada pela ironia de não sabermos o que é real, o quê os nossos olhos, realmente, veem ou o que a nossa imaginação projeta. Forma, substância, a estética e seu espelho. Visão, sentidos aflorados, a agudeza da percepção.

Tudo ofertado ao leitor com primoroso tratamento editorial. Uma tessitura de narrativas, entrevistas, acontecimentos, acometimentos no chão de quem faz é produz arte e cultura. Fatos sociais, políticos, culturais, frames na pulsão da história acontecendo e acontecida. Espectros, registros da cotidiana vida ancorada na corda tensionada da realidade fatídica.

E numa outra tessitura de fio solto e livre de ancoragem, a Acrobata, numa linha tênue onde não há tensão, provoca vertigem de flutuações e voos. É quando o leitor experimenta os desequilíbrios da linguagem poética em farta ceia de textos e imagens cuja concepção e realização vêm de uma seleta trupe de geniais, escritores, escritores, poetas, artistas e Acrobatas do verbo e da imagem.

Acrobata surge como luz numa terra onde há presságios de sombra e obscuridade avançando, ameaçando a vida de leitores tão famintos de arte, literatura e poesia. Admirável a concepção editorial da revista. Os seus editores, seguramente, fizeram a escuta de Barthes ao dizer:

"... o escritor reconhece o imenso frescor do mundo presente, mas para transmití-lo só dispõe de uma linguagem esplêndida e morta; diante da página branca, no momento de escolher as palavras que devem assinalar francamente seu lugar na história e provar que ele lhes assume os dados, observa uma disparidade entre o que faz e o que vê; ..."

Há no fazer da Arte a contrafação de seus efeitos ao provocar rendição e redenção. Pois que fazer Arte é um ato de guerra e de paz. Essa é a linha tênue de sua ação e função. A linha, a corda, o fio, a zona de equilíbrio/desequilíbrio é o lugar, o chão escolhido pela Acrobata para fazer sua lavoura e ofertar ao leitor a sua safra.

Itacoatiara, ao pé da serra, véspera de um outono no Rio de Janeiro, 2017.

Wanda Monteiro Escritora, uma amazônida, nascida às margens do rio Amazonas no coração da Amazônia, no Estado do Pará, Brasil, reside há mais de 30 anos no Estado do Rio de Janeiro. Além de escrever, exerceu a atividade de revisora e de produtora editorial durante muitos anos. É autora dos livros: O Beijo da Chuva, Editora Amazônia, 2009, Poesia; Anverso, Editora Amazônia, 2011, Poesia; Duas Mulheres Entardecendo, Editora Tempo, 2011, Romance escrito em parceria com a escritora Maria Helena Latini. Aquatempo – Sementes líricas, Editora Literacidade, 2016, Poesia.