17 de maio de 2016

Olívia

Vivia na cidade auto-regrada do consolo e gostava de, nos fins de semana, checar a programação cultural da região.

Sempre notou um rapaz de barba que nunca perdia a sessão das seis no cinema da Lapa. Cordialmente, dava-lhe boa noite.

Olívia chegava todos os dias em casa à noite e nunca se esquecia do ‘‘Boa noite, como foi seu dia?’’ para o marido, num tom tão agudo-ainda-que-doce quanto ele mesmo.

Antônio, marido de Olívia, nunca lhe dissera que seus bom-dia-e-boa-noite o irritavam ainda mais do que o gritar espalhafatoso do bebê no quarto. Nem a fumaça de seu cigarro na varanda do pequeno apartamento ofuscava os gritos incessantes.

Ela costumava cantar doces canções de ninar para seu bebê. Gostava da perfeição dos seus pequeninos pés.

Olívia se trancava de vez em quando no banheiro do escritório de luzes brancas e tinha surtos de choro e arranhões nos pulsos. Nos churrascos da empresa, feliz(mente) gargalhava alto.

O bom dia de Olívia a conformava na cidade auto-regrada do consolo.

Terça-feira passada, ao atravessar a rua, Olívia encontrou a Hora da Estrela de sua própria cidade interna mas não teve vontade de lhe desejar bom dia.

No simbolismo de um átimo, Olívia não desejou nada.

Nunca quis nada.

Apenas deu bons e dias, em meio aos muros da cidade cinza que, mesmo concretos, eram ainda muito mais abstratos que qualquer um de seus sentimentos.

Neste dia o rapaz de barba faltou à sessão das seis para ir ao dentista.

 

Thaís Amaral nasceu no interior de SP, tem 22 e cursa Biologia. Teve seus primeiros contatos com o mundo da escrita aos 12, ouvindo os murmúrios de seu mar de dentro se tornarem textos soltos, poesias, contos e pequenas crônicas, e desde então vem tentando fazer com que as palavras tomem pouco a pouco um lugar maior em sua vida. Publica suas longuices e poemices no blog Sereia no Aquário (sereianoaquario.wordpress.com).