16 de fevereiro de 2016

A POESIA DILACERANTE DE MATHEUS ARCARO

 

Parece-me que, no meio literário, não se debate sobre término de livros à mesma medida que seus começos. Talvez, por uma ordem natural das coisas as preocupações literárias recaíam muito mais na concentração de esforços do escritor em desconcertar seu leitor pelos primeiros parágrafos, como se receptor fosse caça e emissor caçador. Mas e se forem as últimas palavras que verdadeiramente atrelam o leitor ao texto? Daí a importância de colocar em pauta tal procedimento narrativo.

Um exemplo de êxito na questão é o livro “Violeta velha e outras flores”, de Matheus Arcaro, em que o autor nos deleita com raro talento e sensibilidade os desfechos da maioria dos 22 contos que compõe o livro. No conto “Teclado”, uma mãe estupefata tenta dar conta do extraordinário e quando um estalo surge, a história termina: “Quando, pela primeira vez, tomou coragem de dizer isso ao marido, ele já tinha desligado o telefone”. Ou no conto “Casamento”, em que uma relação prestes a uma nova chance é finalizada com os dizeres “As palavras são desnecessárias nos velórios. Ainda mais nos velórios tardios”.

A prosa de Arcaro é alicerçada em delicada construção poética, portanto a denominação do espaço e a colocação precisa do tempo parecem tão livres, a ourivesaria da palavra volta-se muito mais à questão da atmosfera e construção sígnica. São contos que inquietam ou causam considerável desconforto, porque matéria da vida, porque dotados de preocupações demasiadamente humanas. Nem tudo são flores podemos perceber a partir do título altamente irônico.

O autor também ousa na forma. “Maquinando” é fluxo de consciência livre de amarras gramaticais, “Está tudo escrito” é um encadeamento dialógico em que se dispensa descrições exaustivas e há espaço para o microconto, como é o caso de “Guerra”.

Arcaro constrói um universo próprio que oscila entre o frugal e o onírico, entre a filosofia e as leis da natureza e parece nos narrar uma poética da desintegração, pois na maioria dos seus contos - corpo, alma, ética, relações, futuro – algo importante está sempre a se dissipar. Daí porque seus finais são tão arrebatadores, por que o fim pode representar o início de outra coisa, ou talvez, o fim seja o princípio do verbo.