11 de fevereiro de 2016

Da poesia e da merda

De todas as analogias a se fazer à poesia, a mais adequada com que me deparei foi com a merda. Antes que venham com condenações, antecipo: não faço depreciação nesse confronto. Infeliz comparação? Que seja. Não ponho em causa a psicologia dos substantivos. Vou ficar na poesia, observando a merda.

A merda é o fruto do que se come em conjunção com a alma do que tem fome. É o não secular que o corpo rejeita. Na merda a síntese humana é feita: o bem, o mal e todas as frescuras cartesianas. O meio e o homem, em suma, na merda.

As merdas se parecem em definição e formação. Não é? Todas vieram pelo reto, intestino, estômago, esôfago, faringe, boca. Mas isso não quer dizer que uma é igual a outra. Tem merdas e merdas. Do lábio ao cu, muito ácido, hormônio e enzima empestados de DNA concedem a cada merda a marca do homem. Cada um, portanto, com sua merda.

A merda de hoje não é a da semana passada. Há quem controle com banana ou ameixa, mas tá longe de ser coisa exata. Não é ser-ou-não-ser. Não é gramática. E por mais que tentem, nem a fibra ou o DanRegularis impede que a formação da merda, vez por outra, sofra influência dos ares. Mesmo assim você vai reconhecer ela onde for, até quando tiver esquecido de ter feito. A sua merda é aquela que o cheiro não incomoda, não é? Pra você a sua merda não parece ter cheiro de merda. Ela é uma bastarda que se quer bem.

A merda não se faz quando se vai ao banheiro. Muitas vezes, por dias e dias, se dorme com ela dentro. O homem é, em parte, merda. O peso dela supera o da alma em dezenas de quilates. Posso dizer que a alma tá na merda já que noutros cantos ainda não acharam ela? Não só a alma, outros vermes povoam a fauna que tem na merda. Selva de vírus e bactérias. A eles também temos que dar crédito à espécie da merda. A merda é minha, é tua, é sua, é nossa, é vossa. Ao autor da merda, o mérito por parir. A obra é, da merda, o parto.

Erra quem diz que a merda não é sua. Mesmo erro comete quem diz exatamente o contrário. A merda é a traça no armário que o come quando passa. No fim ela é meio traça, meio madeira. E antes que eu esqueça, devo dizer que muita merda alheia se come através do estrume que vai dar no mantimento que se compra na feira.

Não quero dar aqui uma de caga regras, mas é óbvio que podemos classificar a merda. Textura, cor, odor, sabor. Sabor? Sim, sabor. Veja a merda dos diabéticos que, de tão doce, pode ser vendida ao despercebido como manteiga de amendoim pra passar no pão. Se passa tanta merda no pão que nem veriam diferença.

Tem a merda clássica. Aquela que nem fede, nem cheira. Passa despercebida, até o autor nem lembra que fez. Tem a merda miúda, tipo de cabra, tipo pílula, compacta, feito cidadela beirando rodovia. Por dias, no intestino, esse tipo de merda foi enxugado, cortado, reduzido à síntese. Em oposição, tem a merda de longa metragem, tipo fumo de rolo, tipo serpente, extensa. Épica, vinte e um quilométricos centímetros. A gente chega a pensar que ela nunca terá fim, mas uma hora cessa. Como também cessa o gotejar lerdo da merda miúda.

Tem merdas que descem fácil. Estas, quem fez não deu seu devido valor. Longe disso, há outras em que, na sua saída, se trava batalhas com derramamento de sangue. Levam o autor descuidado a patológicas dilatações venosas que deixam mais dolorosas futuras sentadas no vaso. Até que um dia se precise de intervenções cirúrgicas.

É tanto tipo!

E não vamos esquecer do resultado da diarreia. Desarranjo líquido. Parece vômito. A merda não dura quase nada no estômago. Passa lavando os intestinos. Sai aos gritos, em jatos divergentes, não poupa nada pela frente. E em paradoxo, fere tanto quanto às do tipo rocha. Sem forma, sem amarra, sem frente, sem verso.

E o mesmo fim tem todo o zoológico fecal: descem às fossas, semeiam moitas, correm em esgotos. Todo dia é feita a toneladas. Não se para de obrar, assim como não se para de comer.

Tem gente que faz das tripas coração. A merda é o ganha-pão de muita gente. Tem gente que vive da merda alheia. Tem gente que ganha dinheiro com a merda, sem viver na merda. Tem gente que analisa e classifica a merda. Tem gente que vive de mostrar a merda dos outros. Tem gente que vive de esconder a merda dos outros.

A merda incomoda. A merda faz pensar.

Ninguém quer ver a merda jogada no ventilador.

É muita merda, não é? Preciso parar agora pra ir à (sair da) privada. Um abraço e boa sorte, ou melhor, merda! Ou ainda melhor, poesia!