23 de dezembro de 2015

ATIBAIA 350 ANOS: UMA CIDADE, VÁRIOS OLHARES

Conta-se que Cronos, filho de Urano (Céu) e Geia (Terra), a fim de evitar que um de seus filhos o destronasse, devorava-os um a um à medida que nasciam. É sabido que a crônica guarda lá sua origem nesse remoto mito grego. Por essa sua relação com o tempo é que podemos identificar como crônica tanto o ramerrão das compilações medievais que registravam fatos históricos relativos à nobreza quanto os textos motivados por um fato miúdo, um acontecimento aparentemente insignificante, que não ganharia as páginas do jornal, se não fosse o olhar sensível e penetrante do cronista. É certamente pensando no jornal (etimologicamente relacionado a diário; portanto, à ideia basilar de tempo), veículo que, desde o século XIX, acolheu a crônica em sua feição moderna, que Antonio Candido há 35 anos destacou que é próprio desse gênero voltar-se para “o miúdo”, mostrando “nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas.”

Talvez possamos então sintetizar, a partir da lição de um dos grandes mestres da crônica (Fernando Sabino), que é próprio desse gênero textual dar atenção para ‘o miúdo’ (circunstancial ou episódico) que contém em si mesmo reunido, em uma síntese significativa, o “disperso conteúdo humano”. O funcionário público, Capitão Texas, a UPA Universidade Popular de Atibaia, prefeita Cotinha, o estrangeiro confundido com lobisomem, o menino que, olhos pregados no Capitão Marvel, seguia na Maria Fumaça e a pedra que testemunha o nascimento da cidade são, dentre outros, e cada um a seu modo, registros de uma narrativa maior, que os engloba.

Atibaia que, em 24 de junho de 2015, completou 350 anos de fundação é a confluência desses e de outros registros reunidos no livro de crônicas Atibaia 350 Anos: Uma cidade, vários olhares, organizado pelo Coletivo Quatati e que contou com a participação de um time seleto de escritores:  Carlos Rosa, Fátima Brito, Gilberto Sant’Anna, Irma Vasquez, João Martino, José Martino, Juliana Gobbe, Luiz Gonzaga, Marco Aqueiva, Myrthes de Moraes, Nelson de Souza, Nestor Lampros, Renato Zanoni, Sebastião Silveira e Vivian de Moraes. Como bem aponta Fátima Brito no texto de Apresentação da obra, “Não vivemos em um país. Não vivemos em um estado. Ambos são muito grandes pra nossa necessidade de identidade e conforto. Vivemos em uma cidade.” Nesse sentido, Atibaia é, para cada um dos escritores desta compilação, ainda segundo Fátima Brito, “o chão de experiências e memórias que se agregam com outros ingredientes, formando a essência do que somos”.

Somos o chão em que estamos. Somos a vida que é essencialmente temporal. O tempo e a vida atravessam Atibaia, marcada pelas experiências de gerações de homens que, mais ou menos esperançosos e convencidos de seu papel na jornada diária, distinguem nas horas vividas e sentidas os momentos que lhes são essenciais. Tais assim as crônicas do livro essencializando o exercício de dar significado a esta “supraprotagonista”, que é Atibaia e que se desvela ao leitor como uma realidade duradoura e familiar. Somos, portanto, atravessados pelo espaço-tempo e desejamos em nossa condição humana partilhar experiências: Atibaia é o chão comum que compartilhamos com os leitores em algumas de suas horas banais e extremas. Cronos não nos venceu. Nem vencerá! Apolo e Orfeu são por nós, poetas, escritores e leitores!

 

 

O Coletivo Quatati é um grupo dedicado à produção e difusão literária. Formado em 2011, é integrado pelos escritores: Fátima Brito, João Paulo Martino, José Antonio Martino e Marco Aqueiva.