30 de setembro de 2015

Ainda os nós

Focinhei teu corpo como quem busca o mais e ainda assim o tempo! Revi teus nadas de lama apalpei dedos escamas e tecidos. Pulsei em teu vermelho-negro vivo. Sucumbi ao teu aquoso estado de cama. Nada foi mais forte! O tempo. O tempo. O tempo. O tempo. Há quanto tempo o tempo? Este impreciso despimento de ocos. Este clarão que destrói vaidades. Este burilamento do barro: desfazimento. Minto pra mim no afora como dantes. Mas saM se deus é o aquilo que não percebo porque não ter penas dos nós? E aquilo era o laço e o pescoço nus. Em cada trilha o sentimento de partida-e-chegada. O inconstante das horas. O lento do dia e seu fogo e sua noite. Escuso. Como pensar o amor se sabendo carne? Apodrecida. Tal como o boi no açougue e seu cheiro. E o osso cal. Quanta brancura em mim. No dentro. No osso. Sou meu dentro e meu afora. Meu fundo e superfície. Que mais? Sou você também. E eu. E minha busca. E o novelo que nos tece. Amarras. E a velha chega próximo ao meu ouvido e diz: ingratidão e ânsia te resumem. E eu grito do veneno bolorento esverdeado que se me forma. Veneno com teu nome. Mas ela repete: ingratidão e ânsia te resumem. A velha. Há velha? Esquizossanto que sou toco meu pau em busca de me saber no adentro. Olho meu corpo nu e percebo. Não me sei afora. Não reconheço essa gordura. Essa grande pança não havia aí. Quando? Vejo meu cabelo. Tateio minha boca e meto os dedos apalpando dentes. Presas pra tua solidão. E as vozes. A velha: teu corpo é pouco para o monte de entulho que trazes e há uma virulência em teu desejo que toda a dor do mundo não extirpará. Pergunto-a sobre o tempo. Sobre o desejo que passou pra onde ele vai? Volta para deus? A velha ri em meu ouvido pulula faz apupos. Percebe meu desexistir. Me sabe carne a apodrecer e ri de mim que engulo pedaços iguais aos que sou: monte de merda com pretensão a homem. Com pretensão a ser. Tudo é in-tenso aqui pai. E não entendo o amor quenãoémais! Lembro-me tanto do roxo-pele quenãoémais. Choro o chicote e a ternura e o café. Tudo perdido no frio. Ainda na carne? Se o amor é na carne ele também apodrece? Até ele pai? Se é tudo passagem aqui de onde devo começar? Talvez por isso crio monstros palavrosos: para compreender deus e ainda assim o não. Que arte nos fizeste em senhor? Que monte de vermes são seus filhos. Nós. Devorando-nos no tempo. O tempo. O tempo. O tempo. Este grande cu lacrimoso de deus. Este grande boga-chama. Este grande excremento que nos deixa apenas nós: montedemerda carneflácida pus e sangue doridos de amor quenãoémais e apodrece. Nem ele escapa. E me vem a velha rindo de pena e berra: é o tempo. Ele também fede. Nem o deus pode com o tempo. Nem ele. Flatulência divina que anda pensa ri e ama: homem. Este nada. Meu. Se eu morrer senhor tem pena de mim. Não compreendi a vida mas a amei. E fedeu e fodeu tudo. Tudo. Só o tempo incólume. Só ele. O movimento da axila de deus nosso santo desprezo e desamor.

 

*Conto originalmente publicado no livro Cantos, publicado pela Editora Substânsia.